Meu nome é Brasil. Sou relativamente jovem, tenho 505 anos. Nasci no dia 22 de abril de 1500. Fui concebido para tornar meus “pais” ricos. Eu seria uma “mina de ouro”… Eles não queriam me dar qualquer formação humana… Fui amaldiçoado por um tal de Pero Vaz de Caminha que disse que meu futuro seria ser um “degredado ou prostituto”… Ninguém esperava nada de mim.
Quando eu tinha somente 38 anos de idade, fui transformado em amaldiçoador. Tornei-me escravocrata. Tratava os negros com crueldade. Os feria e os explorava. Os matava simplesmente para satisfazer a ganância dos meus “pais” – que eu sequer havia conhecido pessoalmente.
Tive meu primeiro contato com o evangelho em 1555. Desde então, vários grupos cristãos tem me influenciado. Confesso que parte de mim até foi um pouco transformada pela mensagem do Evangelho, mesmo assim, continuei sendo eu mesmo…
Como meus “pais” quiseram, tornei-os ricos. Ouro, pedras preciosas, madeira, tintas, animais exóticos… tudo que eles queriam eu lhes dava.
Até 1808, eu não conhecia meus “pais”… Quando fiquei sabendo que receberia meu “Rei”, fiquei todo esperançoso… afinal, até então eu só havia tido tutores; todos corruptos, bandidos expulsos das terras do “papai” e enviados para me explorar… Fui um tolo! O rei trouxe consigo uma corja de sanguessugas que quiseram se aproveitar mais ainda de mim. Trouxeram a pornografia da corte que, misturada às religiões ocultas dos africanos, acabaram por fazer de mim um prostituto, um bandido, um feitor e um corrupto…
Achava que a profecia a meu respeito estava realmente se cumprindo. Foi quando veio uma tal Princesa Isabel e me de uma carta de alforria, dizendo que a partir daquele dia eu não precisaria mais explorar escravos… Tudo estava resolvido? Errado. O que eu iria fazer com tanta gente explorada por tantos anos? Como ninguém soube me responder, eu não fiz nada. Deixei que eles se virassem como podia.
Desisti do meu casamento com meus “pais” portugueses. Nosso divórcio ocorreu em 15 de Novembro de 1889. Queria dar fim àquela exploração absurda. Sonhava que poderia mudar o rumo da minha própria história. Não deu certo. Meus novos tutores se revezavam na manutenção da exploração. Fui Deodorista, Getulista, Militarista, Sarneísta, Collorido, Neoliberal… hoje sou Lulista…
Ninguém dá jeito em mim. Acho que estou viciado no erro. Não consigo caminhar sem uma falcatrua. Não consigo trabalhar sem dar um “jeitinho” nas coisas a meu jeito. Acho que Jorge Amado estava certo: “eu nasci assim, eu cresci assim, Gabriela!”…
E o evangelho? Como disse anteriormente, conheci o primeiro missionário protestante quando tinha somente 55 anos de idade. Hoje, um quinto de mim se diz evangélico. E sabe como eu me sinto? Do mesmo jeito que antes. Quem se importa? Quem vai chorar por mim? Ouvi uma vez: “O Brasil precisa ser evangélico”… Bem, um quinto de mim é, e eu não vejo qualquer diferença dos outros quatro quintos. Mudar pra que? Dá muito trabalho!
Ainda assim, sinto que falta alguma coisa. Eu queria ser alguém. Eu queria ser respeitado. Eu queria ser reconhecido como alguém íntegro. Queria ser alguém na vida. Sei que não dá pra apagar meu passado. O que eu preciso? Alguém pode me ajudar? Estou desesperado…
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