Os três textos iniciais desta série foram muito produtivos para mim. Foram crônicas que me levaram a reflexão profunda sobre os problemas mais evidentes do movimento Neopentecostal, mas que serviram para uma reflexão geral sobre a cristandade.
É fato que já repeti: os problemas estão mais evidentes no neopentecostalismo, mas infelizmente não se limitam a ele.
A crônica que farei neste texto procura lançar o alerta contra um conceito terrível que se infiltrou na igreja (como um todo) ao longo de anos recentes. Enquanto uma turma por aí se mobiliza contra todo e qualquer modo ‘institucionalizado’ de igreja, outros fazem da igreja algo como de propriedade particular. E o problema gerado pelo segundo grupo é, na maioria dos casos, o álibi do primeiro grupo.
Falarei desta vez a respeito das atitudes dominadoras que tomaram parte do cotidiano da igreja. E antes que pensem que sou um revolucionário libertino, já vou avisando: amo a igreja e luto pela igreja; sonho com a igreja santa e limpa, qualitativa e quiçá quantitativa. Sou contra o rebanho sem pastor, mas sou arbitrariamente contra o pastor e líder eclesiástico (seja em que nível for) que se julga dono da igreja ou do rebanho.
O Caminho para El Dorado
Definitivamente, não acho que este cartoon seja apropriado aos pequenos. Não pela estória em si, mas pelos elementos exagerados retratados no mesmo, com rituais e sensualismo, algo que não deveria estar presente num desenho que terá como maior parcela de público as crianças. Enfim, permita-me fixar no que encontrei de paralelo com a eclesiologia de alguns grupos por esse mundão a fora.
O desenho “O Caminho para El Dorado” é uma animação dos estúdios DreamWorks, realizado em 2000, dirigido por Bibo Bergeron, Will Finn, Don Paul e David Silverman.
Conta a estória de Tulio e Miguel, dois trambiqueiros que levam a vida à custa de pequenos golpes. Neste contexto, conseguem o mapa para a cidade perdida de El Dorado, conhecida como cidade do ouro. A dupla acaba presa no navio do explorador Cortez, e após fugirem da prisão acabam encontrando El Dorado.
O povo desta cidade é extremamente místico, e julgam que o aparecimento da dupla é o cumprir de uma antiga profecia. Tulio e Miguel acabam sendo considerados deuses pelo povo de El Dorado. Entendendo que manter esta mentira renderia bons frutos, a dupla passa a manipular a população, que cegamente continua acreditando que estes são deuses de fato, os servido e seguindo a sua vontade.
Percebe-se que a estratégia do domínio é nosso foco comparativo.
Dominadores
Triste é constatar que no meio eclesiástico existe uma grande confusão entre o zelo e cuidado pastoral com o domínio e imposição. Assim como os personagens do desenho em questão, constatamos dia após dia nas mais diversas denominações, pastores, presbíteros, diáconos, líderes, que confundem a vocação de condução de um grupo de pessoas com propriedade. Agem como se o povo de Deus fosse posse sua.
Os últimos anos mostram quão trágica tem sido essa postura. Uma avalanche de livros, sites e blogs mostram como as pessoas se cansaram de ser usadas como fantoches e objetos dentro de igrejas.
E o que as Escrituras dizem a respeito dessa postura? Creio que não há texto mais claro que traga uma advertência tão pesada (e tão negligenciada) aos líderes eclesiásticos (em todo e qualquer nível) e que seja uma luz de alerta tão intensa. Confira:
“Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória” (1 Pedro 5.2-4).
Assim como a dupla do cartoon em questão, existe uma turba de líderes que agem de modo ganancioso e dominador com o povo. Atente-se sobre a maneira como seus líderes tem pastoreado o rebanho, se de modo torpe ou de modo exemplar, como determina a Escritura.
Gostei muito como William MacDonald, homem que deixou um legado na área de Ensino Bíblico sadio, expõem esta passagem dando um remédio para este problema:
“Os presbíteros devem ser modelos, e não ditadores. Devem caminhar à frente do rebanho, e não empurrá-los por trás. Não devem tratar o rebanho como se fossem seus donos. Eis uma condenação explícita ao autoritarismo!
Muitos abusos que ocorrem nos meios cristãos seriam eliminados se os líderes seguissem as três instruções dos versículos 2-3. A primeira acabaria com toda relutância. A segunda eliminaria o mercantilismo. A terceira daria cabo do oficialismo.” [1]
Parece que este texto foi arrancado de algumas Bíblias por aí.
A esperança que move meu coração, dentre tantas coisas, é ver muitos cristãos abandonando o pensamento de cega submissão que reinou no povo de El Dorado, e vivam a liberdade em Cristo conforme o povo de Bereia (Atos 17.11).
Cristianismo não é centralização em homens que usam o Evangelho para lucrar e dominar. Cristianismo é Evangelho. Mudemos nossa postura e sejamos influenciadores para o bem da igreja nestes dias tão avessos à sã doutrina. Não caia no erro de endeusar pessoas. Viva o sacerdócio universal dos santos!
Toda honra e glória ao Senhor!
Leia todos os artigos da série Neopentecostalismo Cartoon
Notas:
[1] MACDONALD, William. Comentário popular do Novo Testamento. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. p.934
Artigos relacionados:
Neopentecostalismo Cartoon: O Fantástico Mundo de Bobby
Neopentecostalismo Cartoon: Pink e Cérebro
Neopentecostalismo Cartoon: A Fuga das Galinhas