Como está ficando um pouco difícil de ir ao cinema e nós não queremos deixar a seção abandonada, vamos aproveitar este espaço para comentar também alguns filmes que até passaram por lá, mas já estão disponíveis na locadora e alguns até sendo exibidos pela TV.
Antes de falar sobre Carandiru (Brasil, 2003), filme exibido ontem em Tela Quente pela Rede Globo, quero deixar bem claro que sou um dos defensores do cinema nacional. Depois de uma época bem obscura do nosso cinema, quando eram filmadas as famigeradas porno-chanchadas, o cinema brasileiro ressurge das cinzas e faz algumas produções de se tirar o chapéu. Não tem como não citar o revolucionário O Que é Isso, Companheiro?, o intrigante Cidade de Deus e os hilariantes O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro como alguns dos meus preferidos. Mas infelizmente o cinema tupiniquim ainda tem algumas manias moralistas e partidárias que acabam comprometendo muitas de suas películas.
Para mim, esse partidarismo é o maior problema de Carandiru. Baseado no livro Estação Carandiru do médico Dráuzio Varella e produzido
por Hector Babenco, o filme retrata a “realidade” do famoso e já demolido complexo presidiário do Carandiru, em São Paulo. Para começar, o filme parece que não sabe muito bem aonde quer chegar. Começa a mostrar muitas histórias (algumas até interessantes) que contam como alguns dos presos chegaram até lá. Isso pode até ser interessante num livro, mas para o cinema torna-se cansativo, visto que o tempo para as histórias é bem menor. No meio do filme começa a dar a impressão de que não sairia disso, e não sai mesmo. Para fechar toda a história, como que parecendo que não tinha muito mais opção pois nenhuma das histórias paralelas “pediam” fechamento, acontece a tão famosa chacina que dizimou grande parte dos presidiários, numa seqüência de cenas fortes e exageradas.
Não que eu duvide que tenha sido realmente assim, mas o próprio Dráuzio Varella em seu livro diz que só Deus, a polícia e os presos poderiam dizer o que realmente aconteceu, e ele ouviu somente os presos. Como acreditar na versão dos bandidos? Ouvindo histórias de presidiários chegamos até a ficar com dó deles e pensamos que o sistema é muito injusto a ponto de colocá-los atrás das grades. Ninguém é culpado. Cada um deles teve um motivo plausível para estar lá, mesmo este sendo a necessidade de matar uma pessoa por dia.
Sabemos que na maioria dos presídios do Brasil existem capelães cristãos que trabalham na evangelização dos presos. No filme, um dos bandidos mais perigosos do pedaço é tocado por Deus e aproxima-se do local de culto dos evangélicos, chegando até a reconhecer que precisa de Deus ao ser evangelizado pelos outros presos. Tudo isso seria muito bonito e profundo se não fosse o tom cômico dado à cena. Lamentável. Mas também, o que esperar de uma produção global, né?
Para você não dizer que fui cruel demais com uma superprodução brasileira como foi Carandiru, o que podemos tirar de lição é que existe sim injustiça, existe sim uma necessidade de melhoria social para tirar os menores das ruas, integrá-los à comunidade e afastá-los das drogas e das armas através da educação e de muito amor. Mas quem culpar por essa falta? Ao sistema? O que é o sistema? Culpar o sistema é uma forma muito simplista de tirar a culpa das nossas costas. Todos nós temos essa responsabilidade, principalmente nós cristãos que fomos colocados nesse mundo para iluminar e dar sabor. Nós podemos fazer nossa parte e contribuir para que outros carandirus sejam demolidos, não por questões políticas, mas por falta de gente para colocar lá dentro.