No meu próprio divã

Amigos, hoje resolvi deitar-me no meu próprio divã. São aquelas datas que marcam nossas vidas e que fazem um divisor de águas. Completar 35 anos chega a ser um privilégio, num país onde jovens são mortos como quem destronca uma galinha para uma canja. Mais ainda. Onde jovens gastam seu tempo na balada do Êxtase e do pó, cheirando a morte para tentar viver.

Pela lógica e pela matemática, chego agora à metade da minha vida. Somem-se os anos de meus antepassados, a média será algo em torno de 70 a 80 anos. Ocorre que a vida não tem nem lógica e nem é matemática. Mas vamos pelo pressuposto. Claro, posso estar bem mais perto do fim do que imagino. Não, não estou sentindo nada. Não venham falar que eu estava pressentindo algo. Estou falando em hipótese. Apenas em hipótese.

É só que não quero ser daqueles que passam metade da vida falando o que vão fazer e depois passam a outra metade explicando porque não fizeram. Não quero ser daqueles que vivem em cima do muro, com medo de assumir o que pensam para não se comprometer com a torcida.

Getúlio Vargas escreveu em sua carta mortuária que “deixava a vida para entrar na história”. Eu não. Quero ficar na vida e deixar que nela Deus escreva a minha história.

Quero que meus dias sejam contados de forma sábia. Quero viver uma vida que valha a pena. Não quero ser transformado em herói só porque morri. Quero valorizar o tempo em que viver.

Quero viver com paixão cada projeto em que me envolver. Quero dar o máximo, fazer o melhor. Não para ser melhor do que ninguém, nem para ser comparado com quem quer que seja. Apenas porque entendo que a excelência faz parte do Cristianismo que prego e que me esforço por viver. “O que preside, com diligência. O que ensina, esmere-se no fazê-lo”.

Quero ser perfeito com todas as minhas imperfeições. Quero ser perfeito sem cair na tirania do perfeccionismo.

Quero me fazer de surdo às vozes que se erguem para derrubar.

Quero acertar sempre, mas vou me permitir o direito de errar.

Quero saber bem mais que os meus vinte e poucos anos.

Quero ser cobrado, sim, por minhas propostas e exigências. Mas quero bases justas para este julgamento. Quero, portanto, ter o mesmo tempo que os outros tiveram para tentar, fazer e apresentar seus resultados.

Quero influenciar minha geração. Só não quero fazer dela o curral de minhas próprias idéias. Isso muitos já fizeram antes de mim e o resultado foi trágico.

A meia-idade há de ter suas vantagens. Não poderei mais ser chamado de “moleque”. Pelo menos em tese, não. Ainda sou um menino, é verdade. Mas pouco a pouco a volúpia da juventude vai tendo que dar lugar a um pouco de serenidade. Algo como “endurecer sempre, mas sem perder a ternura”.

Poderei ser acusado de ter feito o que não devia, mas jamais desejaria ser culpado do pecado odioso da omissão e da covardia.

E nisso tudo, descubro que tudo o que tenho a fazer é viver. Não sou dono do meu futuro. Sou filho do Dono. Não conheço o amanhã. Nem preciso. Ele conhece.

Tudo o que preciso fazer é andar. Dize aos filhos de Israel que marchem.

O destino, não é problema meu.

Pensando bem:

Este artigo foi concebido dia 06 de fevereiro de 2004. Mas, já demonstrando alguns sinais de senilidade, o autor esqueceu de remetê-lo ao editor.