Amigos, ela chegou. E cheguei a pensar que ela não iria parar mais. A chuva começou por aqui domingo à noite e até quarta-feira não quis saber de parar.
Nessas horas a gente vê uma porção de coisas que não funcionam, mas que você não tinha reparado.
As goteiras aparecem. Abusadas, insolentes. Não escolhem onde vão cair. Pode ser em cima da mesa, do dicionário, do mogno, do sofá. Por que as telhas só quebram na época da chuva? Onde está, ó calha, a tua função?
Os limpadores de pára-brisa todos resolvem dar defeito. Claro, você passa a primavera toda ser usar, quando precisa… Acho que os fabricantes de pára-brisas são treinados pela Telefônica. Porque os telefones também costumam parar em dia de chuva.
Seu guarda-chuva então, chega a dar dó. Descobri, na prática, para que servem as varetas de um guarda-chuva: para cutucar sua cabeça enquanto você enfia o pé naquela enxurrada torrencial que desce rua abaixo. E quando você, heroicamente, consegue alcançar a porta do seu carro, o que fazer com aquele horroroso urubu redondo que insiste em desmanchar-se em pingos no carpete do seu carro, deixando aquele suave odor de molhado? Aliás, descobri também que há dois tipos de guarda-chuvas: os que não abrem quando começa a chover e os que não fecham quando você entra no carro.
Pela lei de Murphy, chove sempre na hora da saída do colégio ou do trabalho. E não adianta tentar burlar esta lei, saindo meia hora mais cedo ou mais tarde. A chuva também vai adiantar ou atrasar. Pior para aqueles que moram em São Paulo, que precisam rebocar um barco para conseguir voltar para casa no fim do dia. Ou para aqueles que moram nas encostas dos morros deslizantes.
E aí você começa a pensar que a chuva é a culpada de todo este transtorno. Parece que nunca choveu antes e que esses problemas todos estão acontecendo pela primeira vez na vida. Todo ano chove no mesmo lugar, e você não manda trocar as telhas nem limpar as calhas. Todo janeiro (pelo menos aqui no estado de São Paulo) você sabe que vai precisar uma revisão no pára-brisa, mas nunca pára uma meia hora no mecânico. E um guarda-chuva de boa qualidade não deve ser mais do que uns 15 reais (bendito seja o Paraguai!!), mas ainda quero usar o que ganhei do Agostinho no amigo-secreto de 1995. Os governos municipais passam o ano usando o orçamento para tanta coisa, mas não conseguem jamais resolver o problema das enchentes que todo ano acontecem. As pessoas sabem que o morro vai cair, mas insistem em construir bem no caminho da lama. E a culpa é da chuva.
Já houve época em que a chuva era culpada porque não caía. Lembra do apagão do sr. Fernando Henrique? Até hoje tem gente do PSDB culpando São Pedro pela falta de energia. Como nós não acreditamos que é São Pedro quem manda a chuva, o máximo que dá para concluir é que até o céu estava enjoado daquele governo.
É que, como já dizia o filósofo, “errar é humano; mas colocar a culpa em alguém é ainda mais humano”. Não existe coisa mais fácil na vida do que achar um culpado, desde que não sejamos nós. Mais fácil ainda é culpar o acaso, o improvável ou aquilo que não pode se defender. Imagine se a chuva pudesse ser entrevistada na TV, o que ela não teria a dizer sobre os paulistanos que jogam lixo nas ruas, entopem os bueiros com garrafas vazias, pneus velhos, móveis usados e até carcaça de automóvel. Quanto ela não teria a reclamar dos governos que permitiram a construção desordenada e mal planejada de ruas, avenidas, condomínios e edifícios, que diminuiram o leito dos rios e imaginaram que a água ia seguir o rodízio de carros. Quanto ela não teria a dizer sobre a falta de investimentos no setor elétrico e a entrega vergonhosa deste mesmo setor à selvageria capitalista dos estrangeiros que vieram aqui encher suas sacolas com o dinheiro do povo, garantidos em seus lucros às custas das sobretaxas em nossas contas de luz? O que ela não poderia dizer às famílias que constróem seus barracos nas encostas onde todo ano se desliza terra?
A vida é assim. Existem leis que regem este universo. Desde que o mundo é mundo elas existem. Bem, quanto à chuva, isto vale pelo menos para depois do dilúvio, já que antes não chovia. Se você fica duas noites sem dormir, pega a estrada e acontece um acidente, a culpa é de quem? Se o sujeito bebe feito uma cabra, pega o carro e enche a cara no poste, a culpa é do poste? Se um ancião de 80 anos de idade, senil, que deveria estar descansando em casa atropela e mata 12 pessoas, como aconteceu esses dias nos Estados Unidos, isto é apenas um “lamentável acidente” ou uma irresponsabilidade que deveria ser exemplarmente punida?
E isto não vale só nesses casos. Todos nós sabemos que a vida é o resultado das nossas escolhas. Colhemos o que plantamos. É uma lei. Vale na lavoura, vale na nossa vida. Se você ficar no caminho da água, ela te arrasta. Se você não estudar, nunca entrará na faculdade. Se você escolher mal suas amizades, elas acabarão levando você para o buraco. Se você não controlar seu gênio, ele vai afastar as pessoas de você. Se você não souber perdoar, seus relacionamentos serão arrebentados. Nossas decisões, nossa falta de planejamento, nossa desatenção, são questões que nós precisamos assumir. Não adianta culpar a chuva pela goteira, nem pelo limpador quebrado, nem pelo guarda-chuva. A culpa não é da chuva.
Antes que chegue a chuva na sua vida, faça uma revisão. Veja o que não está funcionando direito e procure consertar. É por isso que o sábio dizia, inspirado: “Lembra-te do teu Criador ANTES”. Antes da chuva. Depois não adianta chorar a água derramada.
Pensando bem:
A maior tragédia da vida não é a morte. A maior tragédia da vida é não estar pronto para a morte.