Amigos, ao falar sobre essas coisas, corre-se sempre o risco de que alguém coloque palavras em sua boca. Por isso é bom explicar bem antes de começar. Não se trata de defender aqui o evangelho progressista, nem a Teologia da Libertação, porque ambos pressupõem os mesmos paradigmas de quem não conhece a Deus, e usam a Igreja apenas como trampolim para ideais meramente ideológicos, sem profundidade ou raízes eternas. Essa idéia de que “crente politizado” é crente “não alienado” precisa ser discutida direito. Porque alienação para o cristão significa muito mais do que estar por fora de um programa de governo. Significa estar por fora do programa de Deus. Acho muito estranho que um crente verdadeiro acredite realmente que as soluções para o país estejam nas propostas de campanha, cuidadosamente elaboradas por “marqueteiros” nababescamente remunerados. Isso é que é alienação e ingenuidade.
É só pensar criticamente nas soluções defendidas pelos políticos para o nosso mundo. Alguns acham que a saída é a educação. E aí eu olho para o Japão, onde o analfabetismo praticamente não existe, e descubro que o índice de suicídios entre jovens de 15 a 25 anos é um dos mais altos do mundo. Conclusão: educação não resolve o problema. Outros vêem no desemprego a causa da violência. Os Estados Unidos até pouco tempo tinham a menor taxa de desemprego do mundo, e mesmo assim ainda tem matadores seriais invadindo escolas e gangues que apavoram as suas grandes cidades. Ademais, se cada desempregado se transformasse num bandido, já pensou o que iria virar isso aqui? Então, precisa distribuir melhor a renda. Aí você vai para a Alemanha, um dos países mais justos do mundo neste sentido, e descobre que eles espancam, discriminam e até matam pessoas porque a cor de sua pele é negra.
Estas coisas todas precisam ser atacadas, é óbvio. Um modelo econômico que torna a agiotagem o melhor negócio, com lucro 4 vezes maior do que a produção, que faz dos banqueiros uma corja asquerosa e repugnante, que faz um governo injetar bilhões para salvar uma meia dúzia de marginais que usam gravata só porque são donos de instituições financeiras, enquanto o pequeno produtor vende a alma para pagar seu financiamento, isso tudo precisa ser denunciado por aqueles que servem a um Deus como o nosso. Os profetas fizeram isso. É só ler Ezequiel 18, por exemplo, você vai ver isso. O que acontece é que os profetas não denunciavam apenas a injustiça social. Eles atacavam a causa, o âmago da questão. O problema ali não era a agiotagem que corria solta. Não era que tinha gente que vivia da miséria alheia, cobrando juros escorchantes. Isto era apenas a conseqüência, a ponta do iceberg. Isto era o apodrecimento, a pústula, o excremento de uma ferida muito mais grave. O câncer que corroía o tecido social estava no coração desesperadamente corrupto e enganoso.
O mal da chamada “politização” é que ela tira Deus da agenda, porque nenhum político, se quiser ser eleito, vai entregar TODA a mensagem dos profetas. Vai atacar a injustiça social, mas não vai falar do pecado. Vai defender os direitos humanos, mas não vai falar que Deus exige humanos direitos, retos e justos. A agora que passou, eu posso falar: não é com slogan de campanha que São Paulo vai ser colocado nas mãos de Deus. Isso é bobagem. Primeiro porque (sem acusar ninguém nem insinuar nada) é preciso ver direito se quem diz isso está ele mesmo nas mãos de Deus ou se é só um discurso interesseiro de quem vê no povo de Deus um curral eleitoral. E não é só nesse caso. Você pode apoiar quem quiser, ser do partido que quiser. A lógica será a mesma. Não vai funcionar, porque não trata o problema. Trata as conseqüências. Trata do efeito, não da causa.
Este não é o plano de Deus nem o propósito da Igreja. Dentro do contexto abordado, eu diria que o propósito de Deus para a Igreja é levar pessoas a uma transformação de vida, que passará pela mudança radical de conceitos, objetivos, atitudes, reações e interesses. Isto só pode ocorrer pelo evangelho, não por ideologias ou filosofias humanas. É difícil para um cristão sincero discordar disto.
Mas…
…os cristãos são também cidadãos. E devem ser os melhores, já dissemos. Devem fazer diferença. Devem saber qual a vontade de Deus e vivê-la intensamente. Então, não pode ficar alheio, insensível, isolado do mundo real. Não pode viver numa “espiritosfera”, como diz Ed René Kivitz. Dizia o professor Roberto Lessa: “O pregador cristão deve pregar com a Bíblia na mão esquerda e o jornal de hoje na direita”. Quer dizer, a mensagem cristã é relevante. Ela tem algo a dizer para o homem de hoje. Ela oferece solução não somente para a vida além-túmulo, mas igualmente para a vida “aquém-túmulo”. Você cristão, que acredita em vida depois da morte, precisa acreditar também que há uma vida antes da morte. Talvez o mundo daria maior crédito à nossa pregação se pudessem ver em nós pessoas normais, seres humanos e não apenas “almas”.
Para a maioria dos gravíssimos problemas sociais que enfrentamos, a Igreja de Jesus tem solução própria. E é possível pensar soluções que não precisam contar necessariamente com o apoio governamental. Se cada igreja evangélica neste país fizer o mínimo, sem deixar de lado por um segundo seu propósito sublime de agente divulgadora da mensagem do Evangelho, seremos os precursores de uma revolução social jamais vista.
Por que você imagina que o número de profissionais cristãos das mais diversas áreas está crescendo tanto? Faça uma pesquisa na sua igreja (e se possível, mande-a para mim, gostaria de publicá-la) a respeito de quantas pessoas tem nível universitário ou quantas estão fazendo faculdade ou preparando-se para isto. Você acha que é à toa que isto está acontecendo conosco? Ou será que Deus está sinalizando que ele pode nos usar para uma transformação social gigantesca? Sabe qual a vantagem que você tem em relação aos outros profissionais? É que vocês dois tem um diploma, mas só você tem um novo coração. Vocês dois freqüentaram salas de aula, mas só você sentou-se aos pés de Jesus, como Maria de Betânia. Vocês dois aprenderam muito sobre as mazelas do mundo, mas só você conhece a solução para elas.
Viv Grig, missionário cristão nas favelas filipinas, traz no seu extraordinário livro “Servos Entre os Pobres” uma foto curiosa: um templo evangélico de costas para uma imensa favela. Na legenda, seu comentário: o prédio reflete a atitude da igreja para com a pobreza.
Ouvi de uma pessoa querida a seguinte história: visitando uma igreja estabelecida na zona de meretrício de uma capital brasileira, supondo ouvir relatos alvissareiros de vidas transformadas, esta irmã pergunta a um dos líderes da igreja: “Como é que vocês trabalham neste bairro?” A resposta: “A gente fecha os olhos e entra correndo no templo”.
Pensando bem:
Seria utópico ou pretensioso pensar em iniciar uma revolução silenciosa, pacífica, porém duradoura? Ou será isso mesmo que precisamos fazer no mundo em que vivemos?