Já dizia o escritor aos Hebreus: “Não deixem de reunir” (Hb 10:25). Os apóstolos estavam sempre juntos, partindo o pão, orando, aprendendo da Palavra, tendo comunhão. Sem dúvida, é parte importantíssima da vida cristã o hábito de reunir com outros cristãos para louvor e edificação. Tão importante que os apóstolos (especialmente Paulo) dedicaram vários capítulos a este assunto em suas epístolas. Se alguém quiser tentar advogar a causa do “ser crente em casa” ou “meu compromisso é com Deus e não com a igreja”, vai encontrar dificuldade para basear-se na Bíblia. É evidente que o plano de Deus é que o crescimento e a maturidade de um crente venha pelo convívio com outros num corpo local, numa igreja local.
Ocorre que no tempo dos apóstolos, a vida de uma igreja não girava em torno exclusivamente dos seus ajuntamentos. Sim, os discípulos se reuniam. E como deveriam ser aquelas reuniões! Ninguém olhando no relógio, nem pensando na novela ou no jogo do Corinthians (nem mesmo a igreja em Corinto). Mas isso não era tudo. Era parte de um todo. Era um dos elementos necessários à formação do caráter e da maturidade, mas não era o único.
Pode-se observar facilmente que o que mais causa problema nas igrejas é exatamente o que acontece durante seus cultos. Já falamos disso antes. A forma de cantar, a função das mulheres, o estilo das pregações, a duração das reuniões, a roupa não sei de quem, o terno e a gravata, quem está e quem não está na escala. A quase totalidade dos assuntos que uma igreja discute tem a ver com os seus ajuntamentos. Concluo facilmente que as nossas reuniões transformaram-se num fim em si mesmas. Isto gera alguns paradigmas. Considere alguns.
1. Crente que vai a todas as reuniões é crente bom e espiritual
Parece-me que o mais correto seria o contrário. Todo crente espiritual freqüenta as reuniões, mas nem todo crente que vai às reuniões é espiritual. Tem pessoas que não faltam nunca, faça chuva, sol ou granizo. Mas saem de casa brigando com a mulher e com os filhos e a discussão só pára quando estacionam o carro no pátio da igreja. Ouvi de uma esposa certa vez a seguinte pérola: “Para o meu marido, o que importa é se a gente não falta. O que acontece durante a semana, os filhos que não conversam com o pai, os problemas que são empurrados com a barriga, o casamento se esfacelando, isso não interessa para ele.” Aprendi com isso que não se deve medir a espiritualidade de um cristão pela lista de chamada. É um péssimo aferidor, criado por um ridículo paradigma facilitador do serviço pastoral.
Se um membro da igreja se ausenta mais do que se apresenta, alguma coisa errado tem com ele. Ok. Mas o simples fato de estar presente, não quer dizer automaticamente que tudo vai bem. É preciso acompanhar. Na verdade, esse é o nosso problema. Numa sociedade sem tempo como a nossa, se a ovelha quiser, ela que venha ao pastor para ser cuidada. Aqui, no aprisco quentinho e quietinho do templo, é fácil ser pastor. O difícil é quando a ovelha está na beira do abismo, na boca do urso ou na mão do mercenário. Isso a gente não resolve com reunião.
2. Ir às reuniões faz de você um crente de primeira qualidade
Isso é tão correto como imaginar que se você for todo dia a um McDonald´s, você vai virar um Big Mac! Ora, simplesmente ouvir o que é certo num sermão bem elaborado no domingo à noite não é garantia nenhuma de que você vai colocar aquilo em prática na segunda-feira cedo. Já comentamos que louvar na igreja não é necessariamente sinônimo de uma vida de adorador. A rigor, o que vai fazer você crescer é o exercitar durante a semana presente aquilo que você aprendeu no fim-de-semana passado.
Pensar assim tem levado centenas de cristãos a contentarem-se com o grau máximo que conseguiram alcançar na vida cristã: o de freqüentadores de igrejas.
3. Todas as reuniões de todas as igrejas precisam seguir o modelo… nosso
Há pessoas que querem exigir que todos os cultos, em todos os tempos, em todos os templos, sejam exatamente iguais. Segundo eles, o “padrão” do Novo Testamento (portanto o paradigma, protótipo, modelo) está tão rigidamente definido que se uma vírgula qualquer for feita diferente, é anátema. Mas surgem perguntas que não querem calar. Por exemplo, pegue a Ceia do Senhor. Onde está escrito que a Ceia do Senhor precisa ser celebrada aos domingos, numa reunião separada de uma hora ou mais, com púlpito aberto? Por que descrentes não são bem-vindos neste ajuntamento (igrejas há que até trancam as portas, de medo que algum visitante se aproxime)? Por que a maneira como cantamos na Ceia é diferente da maneira como cantamos nas outras reuniões? Onde encontramos a Ceia sendo chamada na Bíblia de “Reunião de Adoração”? A resposta honesta e desarmada é: isso só está escrito nos nossos próprios manuais de paradigmas. É um modelo criado por nós e mantido por nós. Eu não estou questionando se o modelo é bom ou ruim. Apenas estou mostrando que isso é o típico padrão humano que nós queremos transformar em divino.
Para alguns, o só parar para refletir nisso é uma preocupação tão grande que beira a histeria. (É por isso que alguns estão proibidos de ler esta coluna. Seus líderes têm medo de que eles façam perguntas para as quais eles não encontrem resposta nos seus manuais.)
Se cada um fizesse a coisa do seu jeito e respeitasse o jeito dos outros fazerem a mesma coisa, estaria ótimo. O caso é que a gente quer exigir que todos sigam a nossa cartilha, também conhecida pela alcunha de “os nossos princípios”. O Novo Testamento está longe de contemplar todas as mínimas situações de uma igreja. Ele tem muito mais princípios (quer dizer, diretrizes, sinalizadores) do que mandamentos (quer dizer, regulamentações, ordenanças). Desde que os princípios bíblicos estejam sendo obedecidos, a maneira de fazer deve ser uma decisão de cada igreja. E ninguém tem nada a ver com isso.
4. Há reuniões mais importantes do que outras
Para alguns, a reunião mais importante é a Ceia, porque “foi a única reunião que Jesus pessoalmente instituiu e participou”; para outros é a reunião de oração, porque “a oração é o termômetro da igreja”; para outros é o estudo bíblico, porque “a Palavra de Deus precisa ter a proeminência”; para outros é a evangelização, porque “sem evangelização não vamos ter nem Ceia, nem oração, nem estudo bíblico”. (As partes entre aspas tenho colecionado em vários momentos, de vários autores, em vários púlpitos pela vida afora).
Mais uma vez transparece a dificuldade que temos de enxergar a igreja como uma coisa só, como um corpo que ela efetivamente é. Eu diria que se uma reunião (ou qualquer outra atividade) tornar-se sem importância, ela pode ser sumariamente eliminada do programa. Não há o menor sentido de se fazer qualquer coisa sem importância na igreja. Não temos tempo para perder com o mero cumprimento religioso de uma atividade, seja qual for.
E, como sempre, isto vale para os dois lados. Não concordo também com a atitude, quase sempre dos mais jovens, de ficar “escolhendo” que reunião é boa e qual é ruim para assistir. Estão em peso na hora do “showzinho” do louvor, mas não abrem a boca para orar nem para adorar quando a reunião é para este fim. Dizem que a reunião de oração é monótona, mas não aparecem para torná-la mais dinâmica. Dizem que a Ceia é chata, e aí não dá nem para discutir. Se lembrar do Salvador e sua morte é chato, o que pode ser legal na vida? Isso precisa acabar.
As reuniões de uma igreja têm uma única finalidade: a glória do Senhor e a edificação do seu povo. Ter isso em mente vai facilitar sobremodo a nossa tarefa e vai propiciar muito maior agilidade e eficiência às igrejas de Deus no mundo.
A gente passa no máximo 10 horas por semana dentro do templo. Se o nosso Cristianismo se resumir a isso, onde e como estaremos vivendo o resto da semana? É hora de nos preocuparmos com isso também. Chega de ficar com neuras sobre como são as reuniões na igreja do vizinho, enquanto a nossa vida durante a semana continua de um baixo nível. Chega de nos contentarmos com “reuniões certinhas” enquanto engolimos vidas “tortinhas”, línguas “compridinhas”, ciúmes e invejas.
Vamos nos reunir sempre. Mas façamos desses momentos verdadeiros marcos da nossa caminhada, encontros reais de um povo com o seu Deus. Não permitamos jamais que nossos ajuntamentos sejam a mera expressão de uma religiosidade vazia, que não encontra ressonância pela vida dos fiéis.
Pensando bem:
“Quando não há culto na vida, não há vida no culto” Caio Fábio