Leia também a introdução e a primeira parte desta série
Amigos, quando a hermenêutica sofre, as pessoas sofrem. Quando se assassina a interpretação séria das Escrituras, permitindo acomodações aos interesses egoístas deste ou daquele grupo, a tendência é que cada um se sinta no direito de criar e ser dono da sua própria verdade. Aí, a bagunça é generalizada. “Quando os fundamentos estão sendo destruídos, o que pode fazer o justo?” (Salmo 11:3) A verdade é que quando os fundamentos da teologia são destruídos (entenda-se aqui não os pressupostos humanos que por vezes são chamados de teologia, mas a teologia no sentido literal, “o estudo de Deus”), fica difícil se manter o mínimo de coerência para a vida, de ética para as decisões e de nível para mantermos nossa espiritualidade no rumo correto.
Ouso afirmar que a pobre e misturada teologia que anda grassando os púlpitos e salas de aulas de igrejas e seminários por aí, está já a causar o resultado previsto. Somos parte de uma geração que não sabe discernir. Ela foi ensinada que “não pode julgar”, mas não foi esclarecida que esta máxima se refere apenas ao julgamento temerário, de coisas que não nos digam respeito. Não se refere ao discernimento necessário para separar o certo do errado. Já existe um exército de “crentes” achando que cada um tem o direito de fazer o que quiser, sem que ninguém possa discordar. E a cada dia que passa vai ficando mais difícil achar quem queira colocar o sininho do pescoço do gato. Vão se silenciando as vozes dos que querem retomar o rumo. São agora rotulados como intolerantes aqueles que ainda pretendam dizer que alguma coisa é preta ou branca. A moda agora é vestir cinza.
Não nego a existência de zonas cinzentas. O apóstolo (original, não autoproclamado) Paulo falou delas aos Romanos 14 e Romanos 15 e em 1 Coríntios 8. Não é meu propósito neste espaço discorrer sobre os detalhes destes textos, mas fica claro ali que há assuntos sobre os quais podemos ter nossas opiniões. Coisas essas que podem ser profundamente ofensivas ou escandalosas para uns e que podem ser absolutamente indiferentes e inofensivas a outros. A regra não é a importância que damos aos assuntos em si, mas a importância que damos aos irmãos que pensam de forma diferente. Nenhum dos lados tem o direito de fincar o pé para impor sua opinião, mas deve sempre pensar na edificação do outro. Pois bem. Mas note que a nossa opinião ou preferência não será sempre, em todos os assuntos, o árbitro para decidir o que fazer.
Existem coisas que não precisam ser discutidas nem questionadas. São condenadas pelas Escrituras abertamente. Não há o que discutir. Há questões doutrinárias absolutas que levam a demanda de comportamentos e posturas absolutas. Por exemplo, o que há para se discutir a respeito do comportamento sexual e suas perversões de toda sorte (sexo antes ou fora do casamento, homossexualismo etc)? Não importa o que diga a sociedade, nem mesmo os “teólogos” ou “ex-teólogos” a respeito. Este assunto (cito-o apenas como um dos exemplos) não se decide por questão de consciência. Faz parte do plano de Deus para vida dos Seus filhos e está fartamente documentado nas Escrituras. Não é questão de religião, como advogam alguns. É questão de fé. É conseqüência direta da fé que professamos ter.
O problema é que cada dia mais estamos nos tornando permissivos, jogando para a zona cinzenta aquilo que era preto ou branco. Em nome da tolerância, do politicamente correto, do discurso de conciliação, vamos aceitando e acomodando ao Evangelho aquilo mesmo que ele veio para transformar e descartar. É por isso que cada dia mais se vê uma pressão interna para se aceitar cada um do jeito que é, sem que haja qualquer necessidade de transformação de hábitos, práticas, desejos ou valores. É a tática do “vem como estás e fica como quiseres”. Jesus parece que tinha outro pensamento. Ele recebia as pessoas do jeito que eram e estavam. Mas dizia ao se despedir “agora vá e não peques mais…”
Quero crer que não faço parte dos “cabeças-duras” do Evangelicalismo brasileiro. Minha preocupação é uma só: estamos perdendo a capacidade de viver os absolutos. Eles nos assustam cada vez mais, no caldo de cultura pós-moderno que vivemos em nossa era. Cada vez mais pensar no preto e no branco fica fora de moda. Vira “politicamente incorreto”. Mas eles ainda estão nas páginas da minha Bíblia, apesar de que muitos dos que tanto a manipulam estão lutando para arrancá-las e queimá-las na nova inquisição do Terceiro Milênio: a fogueira ecumênica do “somos-todos-irmãos”, alimentada que é pelas chamas do inferno. Queremos a todo custo descobrir as “coisas boas” que cada religião tem a oferecer por um “mundo melhor”. Isso me lembra exatamente a atitude dos filhos de Israel no Velho Testamento, quando começavam vez após vez a se encantar com os deuses dos seus vizinhos. O resultado foi sempre desastroso, como está sendo para nós e será ainda pior para a geração que virá a seguir.
Fico feliz porque, ao defender este ponto de vista, percebo que as reações são apaixonadas dos dois lados. De um lado, sou acusado pelos conservadores de ser um liberal inveterado, que pretende perverter os valores fundamentais do nosso movimento. Por outro lado, sou afastado daqueles que esperavam que a minha busca por uma espiritualidade nova, despida de mera religiosidade, fosse desaguar num atraente “liberou geral”. Desagradar os dois grupos é exatamente o meu propósito, porque busco o equilíbrio. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Sem radicalismos. O segredo do Cristianismo autêntico é o equilíbrio. É só isso que quero.
O grande pulo do gato dessa história é perceber que o problema está em quem pode dizer o que é preto, branco ou cinza. Aí é que mora o perigo. Porque quem tem o direito de dizer o que é certo ou errado não são os pastores e teólogos, muito menos os filósofos, psicólogos e sociólogos. Quem tem autoridade para dizer isso é Deus. A Bíblia foi escrita para nos revelar o coração de Deus. Em outras palavras, ali encontramos o que O agrada e o que não, o que pode e o que não pode. Não são as convenções da sua denominação, os livrinhos de regras da sua igreja, o conhecimento articulado do seu pastor ou aquilo que você sente no coração que determinam isso.
No pacote dessa história de zona cinzenta, invariavelmente vem à discussão a diferença entre Religiosidade e Espiritualidade. Questionar isso me parece fundamental. A questão está nas respostas que estão sendo produzidas para enfrentar o dilema. Espiritualidade quer dizer, bíblica e resumidamente falando, vida espiritual. Só pode ter espiritualidade verdadeira quem nasceu de novo. Os demais, segundo a Bíblia, “estão mortos nos seus delitos e pecados”. Não tem espiritualidade nenhuma. No budismo, no hinduismo, no kardecismo e em qualquer outra religião, incluindo aí o professo “cristianismo” que muitos vivem dentro de grande parte das igrejas evangélicas há, sim, uma busca pela espiritualidade, mas que nunca termina. Esta é a grande resposta do Evangelho de Jesus ao coração do homem, faminto por vida de verdade. Por que estamos agora querendo igualar a única solução às frenéticas e frustrantes buscas do ser humano por seus próprios meios?
Espiritualidade é vida com Deus. É sintonia espiritual, pela Palavra, pelo Espírito Santo e pela experiência pessoal de cada um com Ele. Para estes, quando Deus fala que é errado, é errado e pronto, mesmo que todo mundo diga que não. E estes também não serão guiados pela opinião de líderes que se consideram a quarta pessoa da Trindade.
Ao contrário, crescerão, amadurecerão, buscarão com humildade e temor descobrir o que Deus realmente quer, seja preto, branco ou cinza.