Carminha gravou um CD. Minha vontade era contar todos os detalhes da odisséia, da longa e exaustiva
– porém gratificante – caminhada da gravação, desde o início, com o apoio dos pais e dos amigos, até pormenores de arranjos, da participação de músicos (alguns cobrando menos ou nada pela tal participação). Porém deixo isso em suas mãos, leitor querido, nas asas de sua imaginação ou no fruto de suas possíveis experiências. Para termos um denominador comum, fico com a frase que resume tudo: não foi fácil.
Antes de prosseguir a história, quero passar com você pelo dia do lançamento. Foi uma festa linda! A moça, que devia ter seus vinte e cinco anos, gozava da proximidade de um tio que trabalhava na Fundação Cultural. O parente conseguira, à custa de algum esforço, o auditório da Escola de Música, bem no centro da cidade. Alguns instrumentistas que haviam gravado com ela fizeram parte do show de lançamento. Uma noite e tanto!
A menina tinha vida com Deus, e sua proposta era boa em termos musicais – uma conjugação um tanto rara ultimamente, diga-se de passagem… sou suspeito em dizer, porque, como apreciador de uma boa MPB, fiquei com a impressão de que o trabalho de Carminha vinha preencher uma lacuna no cancioneiro cristão nacional. Corajosa, a guria! Ousou compor e gravar música popular brasileira com letras inteligentes e profundas, além de forte conteúdo cristão, o que hoje, lamentavelmente, está meio fora de moda aos olhos da mídia evangélica.
Como todo compositor, quis ela ouvir seus próprios acordes tocando nas rádios FMs evangélicas da região. Na sua cidade eram duas. O programador de uma das emissoras estava no lançamento e levara no bolso, sem ter que pagar por isso, um exemplar do CD. Cortesia para a rádio. Disse ter gostado em especial da faixa três e prometeu que a faria tocar na programação normal da FM, a partir de quarta-feira da semana seguinte, quando entraria no ar a nova programação. Um dos diretores de outra rádio, também, sabendo da apresentação de Carminha, mandou alguém à Escola de Música para pegar um exemplar do álbum.
E foi assim que nossa amiga deixou-se ficar ao pé do rádio nos “momentos específicos”. Eu gostaria de que você, leitor, entendesse o quanto era importante para minha personagem que a música tocasse nas emissoras. Seria um reconhecimento, uma alegria especial, um sinal de que sua música se divulgaria e abençoaria outras pessoas. Todo músico quer chegar onde sua mera presença física não consegue.
Por isso, a mãe e a irmã de Carminha, entendendo o momento, ficaram também atentas ao rádio. Mas a música não tocou. A mãe pediu que a moça relevasse. “Amanhã toca”, disse ela. “Vai ver ele ainda usou a programação antiga”. Mas não tocou no dia seguinte. Nem no outro, nem no outro… e os dias foram-se passando sem que qualquer canção de Carminha entrasse na programação das duas FMs. “Puxa, mas Fulano prometeu… Beltrano também…” Nem uma nem outra. Nada!
Várias explicações surgiram na mente da jovem cantora para o fato de a música não tocar. Um dia a irmã dela até ligou para a rádio – um programa do tipo “peça sua música” – e fez o pedido, mas o cara que atendeu disse que a programação já estava fechada. Prometeu, então, tocar a faixa três durante o horário normal da emissora, tão logo o “peça sua música” fosse encerrado. Ainda assim, nada.
Até hoje me pergunto por que o CD não rolava nas emissoras. Tenho um palpite de que a música verdadeiramente brasileira – e isso não se refere apenas ao fato de ter uma letra em português – esteja em baixa. Um sujeito da igreja chegou a dizer, na base do “aqui entre nós”, que ela deveria ter escrito canções mais simplórias, mais ao gosto da grande maioria, o que alguns chamariam de “grande público”.
Por outro lado, parecia que o desejo da garota de ouvir sua própria voz por meio das ondas de freqüência modulada estava virando algo fora do normal.
Um dia, quando já havia desistido de se ouvir no rádio, Carminha adormeceu com o aparelho ligado. Sem perceber, pegou no sono e foi parar num lugar que lhe pareceu a sala de música do céu. Surpreendeu-se, pois, quando lá chegou, ouviu sua própria canção sendo executada. Escutou sua própria voz, e o instrumental do CD que havia gravado estava exatamente igual. Jesus estava lá e parecia apreciar a música em cada um de seus detalhes! Havia gente de toda a parte do mundo. O Filho de Deus dirigiu-lhe o olhar e disse a ela: “Filha, sua canção toca muito aqui. Quando acordar, desligue o rádio e não torne a ligá-lo.”
No dia seguinte, a nossa cantora e compositora acordou sem saber bem se o que tinha acontecido fora sonho ou realidade. Tudo leva a crer que alguém de uma das rádios fizera a música tocar durante a madrugada. No entanto isso não interessava mais. Quando acordou, ela se lembrou de desligar o rádio para, quem sabe, ficar para sempre na sala de música. Lá onde poderia ter a certeza de que o Senhor ouvia…
por Zazo, o Nego