A seleção e o patriotismo

Amigos, na entrevista coletiva para anunciar os 23 convocados para a Copa do Mundo ouvimos algumas pérolas da parte do nosso irmão Jorginho e do próprio Dunga que merecem uma reflexão mais profunda. Em dado momento, eles cobraram a imprensa e convocaram a torcida brasileira para que deixem as diferenças de lado, concentrem-se nas coisas boas e façam aquela “corrente pra frente” a fim de que o Brasil conquiste seu 6º título mundial. Mais que isso, Jorginho acusou os jornalistas que faziam críticas à convocação de falta de patriotismo. Segundo ele, aqueles que discordam da comissão técnica estão “torcendo contra seu país”. Ou seja, para este profissional, ser patriota é vestir uma camisa amarela na época do Mundial de futebol, torcer feito louco, não ter opinião própria e não criticar nada.

Não há dúvida nenhuma de que o esporte tem um poder catalisador de emoções e o futebol, como esporte mais popular do planeta, consegue fazer isso de forma muitas vezes potencializada. Não vejo nada errado em torcer pelo Brasil vencer seus jogos, em comemorar nossos gols e vitórias, notadamente em cima de argentinos e europeus. Aumenta a autoestima, descarrega o fígado poluído e permite por alguns instantes que todos sejam iguais. Afinal, nem todos são iguais perante a lei, mas perante a TV ligada no jogo do Brasil, somos. Quando ganha um, ganham todos. Quando perde um, perdemos todos. Agora, confundir isso com patriotismo me parece um erro grosseiro, por diversas razões.

Primeiro, porque há milhares de brasileiros, por incrível que pareça, que não dão a mínima para o futebol, que não são contagiados pelas marchinhas ufanistas de “pra frente Brasil” surgidas a cada quatro anos, que sequer param o que estão fazendo para assistir aos jogos do Brasil e nem por isso devem ser considerados traidores da Pátria amada. Futebol é uma paixão de muitos, patriotismo é um dever de todos. Não é preciso ser torcedor para ser patriota.

Em segundo lugar, é um erro porque seguramente há mais componentes no caldo do patriotismo do que a paixão pela Seleção Canarinho, especialmente a que toma as ruas pela aproximação de mais um Mundial. É verdade que a Seleção pode ajudar a ensinar o torcedor a valorizar o potencial do seu país, mas restringir-se às habilidades deste esporte é uma maxidesvalorização do ser brasileiro. Está na hora de aprendermos outras nuances do verdadeiro patriotismo. Não somos patriotas por ficarmos roucos de tanto gritar num gol de Kaká. Muito mais o somos quando exercemos nossa cidadania de verdade, assumindo os direitos e responsabilidades dela decorrentes. Quando agimos nas mínimas coisas com decência, desde respeitar as vagas de idosos e deficientes, não dirigir embriagado colocando a vida alheia em risco, não subornar guardas de trânsito, não ter vergonha de ser honesto, até votar em gente com ficha limpa. Tudo isso é patriotismo. Patriotismo é não viver buscando os interesses individuais, nem defender por ideologia aqueles que dilapidam e saqueiam a nação. Patriotismo é o desejo de servir à Pátria e não de servir-se da Pátria.

Finalmente, é um erro porque exercer o senso crítico para apontar eventuais erros e oportunidades de melhoria não deve ser encarado como uma ofensa, muito menos como traição e em hipótese alguma como traição à Pátria. Jorginho confundiu as coisas. Para minha surpresa, porque este sentimento é típico de líderes mal preparados (que não creio ser o caso dele, uma pessoa esclarecida e equilibrada), que entendem que lealdade é uma obediência cega e sem questionamento. Na ditadura e nos círculos militares até hoje, ser patriota era saber cantar o hino nacional, não passar debaixo da bandeira hasteada e nunca, em hipótese alguma, questionar o regime. Deu no que deu. Quantos dirigentes conhecemos, na política, no condomínio, no clube, nas empresas, nas organizações e até nas igrejas, que quando questionados sentem-se mais ofendidos do que se tivessem xingado sua mãe? Para eles, o colaborador bom é o que obedece sem reclamar. Afinal, o que podem subalternos mortais acrescentar à sapiência com que estes monstros sagrados da liderança nacional tomam suas decisões e decidem o rumo dos acontecimentos? Esta é uma demonstração inequívoca de despreparo e pequenez. Os líderes que vêem nas sugestões e opiniões divergentes uma ameaça e não uma oportunidade estão fadados à mesmice. Vão parar no tempo. Por um período, talvez sejam aclamados como bons administradores, mas vai chegar a hora em que as circunstâncias hão de tragá-los impiedosamente.

Vou torcer pelo Brasil. Apesar deste deslize conceitual, acho que a Seleção está no caminho certo. Que venha o Hexa, mas que com ele venha também um mínimo de consciência cristã e cidadã para sermos campeões não apenas nos campos de futebol.