Samba de uma nota só

Amigos, já mencionei o tema em outras ocasiões, mas como nada mudou, pelo contrário, percebo que anda ficando pior, volto a ele com tristeza e pesar.

Tenho tido a necessidade, por dever de oficio, de viajar longas distâncias de carro, pelos lugares mais inusitados do Sudeste brasileiro. Algumas destas viagens são acima de 700 km. Por vezes tenho companhia, por vezes estou sozinho. Como meu MP3 anda mais para MP0, passo horas rodando o dial do AM/FM, procurando alguma coisa, qualquer coisa, para ouvir e me manter acordado. Só consigo encontrar duas coisas: sertanojo universitário (com seus pseudocowboys metidos a celebridades) e… rádios evangélicas. Ambas andam me deixando profundamente frustrado, tamanha a mediocridade, a falta de criatividade, a superficialidade e a falta de originalidade. Se do sertanejo não posso reclamar, uma vez que é só uma questão de desligar o rádio e deixar que os demais infelizes ouvintes se torturem, sinto-me no dever de comentar o tamanho da irracionalidade que tomou aqueles que se propõem a assumir um horário numa emissora de rádio ou, em muitos casos, de serem donos da própria emissora para fazer a mesma programação grotesca ou mais bizarra que todas as outras estações estão fazendo. (*)

Começa pela qualidade dos “comunicadores”, que se esmeram por valorizar a criatividade dos “produtores”. Esses dias, ouvi um programa em que o ouvinte liga, o apresentador puxa uma daquelas promessas bíblicas de caixinha, lê uma “palavra” para o leitor, que além da “palavra” ouve também a risada do Pica-Pau, uma imitação do Sílvio Santos e o Kiko do Chaves dizendo “ora, cale-se, cale-se, você me deixa looooooouco”). Passa pela “música” de frases, que são aquelas maravilhosas canções com uma frase de 5 palavras, repetidas à enésima potência de som e de número. Termina com uma pedição de dinheiro que dá nojo. Os programas patrocinados por igrejas passam mais tempo falando de como é fundamental os ouvintes irem à SUA igreja do que qualquer outra coisa. Porque, afinal, só ali Deus fala, só ali Deus se manifesta, só ali Deus opera, só o “pastor” ou o “bispo” ou o “apóstolo” fulano é que tem a unção. Só não explicam porque suas igrejas não pagam os programas sem precisar pedir dinheiro dos ouvintes. Ah, sim. Também porque somente os SEUS Gideões, Colunas de Fogo, Patrocinadores Premium e outros “privilegiados” (haja criatividade para tantos nomes, sinônimos todos de “doadores para minha causa única do Evangelho no Brasil”), somente eles é que serão abençoados com as janelas do céu.

Penso que estas programações refletem a realidade de nossas igrejas “evangélicas”. Estamos vivendo uma época de seca; mas antes que comecem de novo a cantar pedindo chuva, apresso-me em explicar. Os púlpitos oram oscilam entre a exposição alegórica (aqueles pregadores que pegam uma mosca voando no texto e tiram 12 lições em prosa e verso para os próximos 4 meses) e a pregação ufanista, de vitória fácil, de 5 passos para a bênção completa, de 6 passos para a prosperidade, de 4 passos para o sucesso em qualquer área da vida. Perdemos o gosto e a capacidade de simplesmente abrir a Bíblia, compreender o texto e tirar dele as lições que Deus quer nos falar nele naquele determinado momento. A monotonia de grande parte dos ensinadores e profetas (no sentido bíblico do termo) faz com que na igreja “x” eles só consigam ver nas Sagradas Escrituras Deus falando sobre dízimos e ofertas; na igreja “y”, só conseguem ver Deus falando sobre sistema de governo da igreja e denominações; na igreja “z, só se pode falar sobre a “nova unção apostólica”; na “j”, a Bíblia só fala de células. Esses caras podem abrir a Bíblia em qualquer lugar, de Gênesis a Apocalipse, que só conseguem martelar os mesmos temas.

O louvor que entoamos também anda merecendo uma certa reflexão. Fico impressionado com a quantidade de repetições da mesma frase em cada uma das músicas. Verdades preciosas como “Deus é Santo” ou “Só o Senhor é Deus” ou “Jesus Cristo é o Rei dos reis” acabam sendo reduzidas a um mantra. Ouvi recentemente um cântico que repetia a mesma frase mais de 35 vezes. Como é possível cantar isso seguindo a orientação de Paulo de cantar com o espírito, mas também cantar com o entendimento? Estas vãs repetições acabam produzindo o mesmo efeito que o chá de Santo Daime: inviabilizam o filtro mental para que a pessoa entre num transe psicótico. Nunca poderia imaginar o salmista Davi tangendo sua harpa e repetindo 54 vezes “O Senhor é o meu Pastor”. Já pensou? “Agora só a galera de Judá!” “Agora só os levitas”; “Agora só a meia tribo de Manasses”. Benza Deus! O Arcanjo Miguel pediria permissão pra sair da Sala do Trono. Simplesmente não faz sentido. Não é possível continuar chamando isso de “louvor e adoração”. Em tempo: há outra forma de “monotonizar” o louvor comunitário: é selecionar meia dúzia de músicas e cantá-las TODOS os domingos, sem variação. Alô, rapaziada! Alô, líderes de louvor por esta pátria amada: será que dá para mudar de faixa? Vocês não são “levitas cristãos” nem devem atender por outros títulos esquisitos que andam sendo criados por aí. Mas sem dúvida alguma vocês exercem uma função fundamental para o povo de Deus, que é conduzir a igreja reunida em adoração ao Pai. Então, por favor, MUDEM O DISCO!

E, finalmente, nada contra ensinar os cristãos a contribuírem fielmente para a obra de Deus. Mas chega de apelações para a construção de impérios particulares. Chega de achar que só o que você faz é o que Deus mandou e, portanto, só quem contribui com você é que está fazendo a vontade e a obra de Deus. Pesquisas demonstram que programas de rádio e TV são, no século XXI, instrumentos que menos levam pessoas ao conhecimento de Cristo. Mas continuam sendo uma tremenda maneira de arrecadar milhões.

O povo cristão desta terra precisa ler mais a Bíblia, ouvir mais a voz do Espírito e ouvir menos CD e programa de rádio e televisão. Precisa repetir menos as frases feitas que ouve nas tais “ministrações” de louvor e conhecer mais a Palavra de Deus. Precisa deixar de ser massa de manobra, de ser pau mandado, de ir atrás de tudo o que aparece, sem discernir, sem analisar, sem julgar, sem avaliar.

Precisamos de mais areia no nosso caminhãozinho. A Igreja de Jesus é uma comunidade profética. Isto significa que ela tem algo a dizer a este mundo perdido. Então, de duas uma: ou esse povo que está com o microfone na mão não tem qualquer identidade com a Igreja de Cristo ou ela perdeu completamente a idéia de qual é sua missão e propósito no mundo.

Em qualquer dos casos, é uma vergonha.

(*) Encontrei somente uma exceção: a BBN, no Vale do Paraíba. Eles não tem compromisso comercial, por isso podem dedicar-se à excelência de sua programação. Os que pregam ali, abrem a Bíblia e expõem suas verdades. Nada de invencionices, de contorcionismos neo-apostólicos ou de espetáculos neo-pentecostais. Boa música, boa palavra. Um oásis. Pena que você só consegue sintonizar enquanto está na região de Taubaté e São José dos Campos.