Amigos, esse embaixador do Taleban no Paquistão é um gozador. Ele veio a público dizer que a ONU não tem que se meter em país nenhum, que cada país é livre e independente para escolher seu próprio governo, que o Ocidente se preocupe com os seus problemas e tal e tal. Bonito. Beleza de discurso. Corretíssimo. Caberia bem na boca de qualquer líder civilizado do planeta. Está certo. Cada povo decida por si o que fazer. Mas na boca do embaixador do Taleban? Diriam os cariocas: “Fala sério, aê!” Que moral tem os tiranos do Afeganistão para falar em liberdade?
Não estou aqui fazendo apologia da guerra, porque o ataque americano é em muitos aspectos uma covardia, mas reflita comigo. Não é mesmo uma falácia, um argumento em que falta alguma coisa?
Quero dizer, está tudo certo, só que isso vale para os dois lados. Do jeito que está, o raciocínio na prática é: “Ninguém se meta aqui, porque nós já somos os donos do pedaço. Liberdade no Afeganistão é a `minha liberdade`. Cada um tem a liberdade de escolher o governo que quiser, desde que seja o meu.”
Liberdade. Ah! A liberdade! Como a queremos. Como a buscamos. Como lutamos por ela. Vivi dias muito especiais neste feriado. Dias que me fizeram pensar muito sobre o que é a verdadeira liberdade em Cristo. Que ninguém me leve a mal (nem mesmo aqueles que só lêem esta coluna para tirar cópias dos meus artigos e montar seu dossiê). Mas parece que a falácia do embaixador anda presente no meio dos cristãos. Explico:
São cada dia mais freqüentes as manifestações em tom agressivo, ameaçador, com cara de denúncia, de alerta máximo, contra um suposto risco de perda de liberdade das igrejas cristãs. O clima é de tal modo belicoso e apavorante que a gente começa a ficar com medo até de ir às reuniões da igreja, com medo de encontrar gente armada de metralhadora, obrigando-nos a fazer coisas profanas e libertinas. Um horror.
Aí, como até agora ninguém me privou da liberdade de pensar, comecei a analisar melhor os fatos. E me tranqüilizei, até porque no meio das igrejas que conheço, o que podia ser tirado de liberdade, já tiraram faz tempo: a liberdade de pensar diferente; a liberdade de ter igrejas realmente independentes – iguais na essência, mas não necessariamente na forma; a liberdade de se adorar ao Senhor de maneira espontânea, sem preconceitos, sem imperialismos do tipo “o que é europeu é santo, o que é latino é profano”; a liberdade de se evangelizar da forma que funcione melhor, desde que se preserve o conteúdo da mensagem evangélica. Em resumo, a liberdade garantida e assegurada aos cristãos não por decreto de qualquer concílio ou denominação humana, mas pelo Espírito de Deus, que inspirou Paulo a escrever: “Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade”.
O intrigante disso tudo é que os que mais vociferam contra a “ameaça” presente são precisamente os que sempre comandaram a mão de ferro a supressão dessas que são as liberdades mais fundamentais de uma igreja. É como o embaixador do Taleban. “Ninguém pode mandar aqui. Só eu”. Isso cheira a desespero por ver o poder escorrendo irremediavelmente pelo vão dos dedos.
Aliás, é mesmo oportuno falar em perda de liberdade, porque se há uma coisa que atrapalha a igreja brasileira de crescer, tanto numericamente quanto espiritualmente, é exatamente a existência dos caciques, esta coisa dos senhores feudais que lotearam as igrejas e agora disputam o seu controle. É a guerra para ver quem manda mais, a política velada do controle do pensamento alheio, sob a égide dissimulada da “defesa dos nossos princípios”.
Ora, façam-me o favor. Ninguém agüenta mais isso. Chega de tapar o sol com a peneira. Como presbítero de igreja, já tive que tratar de caso de gente de fora que queria decidir até sobre quem podia ou não ser convidado para pregar na igreja local. E ainda temos coragem de falar em independência? Vamos falar das entidades pára-eclesiásticas antes de fechar as portas daquelas que nós mesmos criamos? Vamos falar da politicagem externa enquanto não temos coragem de estancar a interna? Vamos falar de identidade enquanto cada um puxa a sardinha para o seu lado e enquanto existem obreiros que não se falam e gente que dá murro na mesa e exige “ou ele ou eu”?
Estou cada dia mais convencido de que a verdadeira liberdade cristã está longe de ser uma realidade nas igrejas de hoje, mas que ao mesmo tempo ela é plenamente possível e viável. Está ao alcance daqueles que tiverem coragem de romper com o status quo.
Não caia na falácia do argumento taleban. O que nos rouba a liberdade não é a institucionalização de coisa nenhuma (eu sou contra qualquer atitude neste sentido, e os que me conhecem sabem muito bem disso). Não é preciso montar uma entidade jurídica para roubar a liberdade das igrejas. Basta continuar dando bola para os que sofrem de “Diotrifismo agudo” ou continuar dando o púlpito para os que fizeram para si mesmos a fama de “grandes ensinadores” ou “grandes conhecedores da Bíblia”. Ou então, continuar rezando as cartilhas exclusivistas que primam pelo mal do “Não-podismo”: Não pode instrumento, não pode receber ninguém na Ceia, não pode chamar de igreja quem não seja do meu rótulo, não pode crescer numericamente, não pode mudar o que trouxemos da Europa, não pode, não pode, não pode… Alguém sabe o que está escrito em Colossenses 2:21-22?
Amigos, não é preciso ter medo da liberdade do Espírito. Deus sabe o que faz. É verdade que a linha que divide a liberdade cristã da liberdade da carne é tênue. Mas é preciso que aprendamos a usufruir dela sem fobias. O que Paulo disse aos gálatas sobre os judaizantes que apavoravam as igrejas daquela região é mais atual do que a próxima entrevista de Geoge Bush ou do que a próxima manifestação anti-terrorismo-inexistente-das-igrejas-dos-irmãos: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais a novo jugo de escravidão (…) porém não useis de liberdade para dar lugar à carne” (Gl 5:1;13).
Quando Moisés foi a Faraó dizer que este libertasse o povo, o motivo dado foi: “Deixa sair o meu povo para que me celebre uma festa no deserto” (Ex 5:1). Deus queria que o seu povo tivesse o privilégio de celebrar o seu Deus em plena liberdade. Faraó não quis deixar, assim como muitos hoje não querem.
O resto da história você já sabe. Talvez hoje você não veja qualquer perspetiva de viver essa realidade na sua igreja. Não se desanime. Lembre-se de que, dias mais tarde, Miriã e todas as mulheres tocavam tamborins (elas podiam expressar sua alegria sem preconceitos) e dançavam AO SENHOR e repetiam o contracanto num animadíssimo coral com os homens de Israel: “Cantai ao Senhor, porque gloriosamente triunfou, e precipitou no mar o cavalo e o seu cavaleiro” (Ex 15:20-21).
Quando Deus quer libertar, ninguém pode prender. Quando “ele abre, ninguém fecha. Quando ele fecha, ninguém abre” (Ap 3:7). Se há um mover de Deus nesta geração, ninguém poderá resistir. Nunca se esqueça disso: a liberdade cristã é um direito que ninguém pode tirar de nós, a não ser que a gente permita.
Pensando bem:
“O que você faz fala tão alto que eu não posso ouvir o que você diz” (Ralph W. Emerson)