Os Fariseus III

3. Gostavam de dizer o que lhes vinha à boca, mas ofendiam-se facilmente ao ouvir o que não lhes agradava (Mt 15:12-14)

Eu nunca vi um fariseu original. Mas fico imaginando como ele era. Nariz empinado, olhos bem abertos, cabeça girando feito telescópio da Nasa para ver se achava algum defeito em alguém. E quando achava, ou pensava ter achado, partia para cima, como diz o caipira, “com três quentes e dois fervendo”. Não tinha meias-palavras. Vinha com tudo. Fazia acusações pesadas, julgava precipitadamente, usava palavras ferinas, ameaçava, agredia. Até que alguém lhe dava uma boa resposta. Aí se dizia ofendido, coitadinho. “Estão escandalizados”, foi a notícia que chegou a Jesus depois que ele havia resistido à intolerância e intransigência de um grupo entre eles.

Em outra ocasião, quando Jesus curou o cego de nascença, os fariseus o chamaram e interrogaram sobre quem o tinha curado. Depois de dizer claramente que tinha sido alguém Divino que efetuara a cura, não tendo argumento, apelaram: “Tu és nascido todo em pecado, e nos ensinas a nós? E o expulsaram” (Jo 9:34). Era assim. Enquanto o que alguém dizia lhes interessava, eles ouviam. Se alguém falasse contra eles, ofendiam-se e apelavam.

Até hoje, tem muita gente que acha que tem salvo-conduto para dizer o que bem entende. Estão acima do bem e do mal. E se alguém ousar retrucá-los ou contradizê-los, dizem-se ofendidos. “Sentam a pua” com toda a violência. Adjetivam sem piedade os que fazem qualquer coisa que não gostem. Mas se recebem uma resposta ou uma crítica, porém, (e é preciso coragem para fazer isso contra os poderosos fariseus, em qualquer época) posam de coitadinhos. São os guardiões da fé sofrendo pelo evangelho. São os mais velhos sendo desrespeitados pelos jovens rebeldes e orgulhosos de hoje.

É sintomático que quem se sente mais facilmente ofendido com uma palavra, especialmente se a palavra vem mesmo de Deus, são aqueles que tem maior pré-disposição para ofender.

A velha fórmula do “fulano está muito ofendido com o que você pregou domingo” ou do “você pega muito pesado” tem sua origem no tempo dos evangelhos. Foi criada pelos fariseus.

4. Gostavam muito da letra, mas raramente entendiam o espírito da lei (Mt 12:1-8; Mc 2:23-28)

O sábado. Ah! O sábado. Intocável. Venerado. Guardado. Nada de trabalho. Nada de movimento. Nada de nada. Nem mesmo de fazer o bem. “Não é lícito curar no sábado”. Se quiser fazer alguma coisa boa, volte amanhã. Hoje, não. E abriam a Escritura para esfregar-lhe no rosto. “Olhe aqui, você não sabe o que está escrito na lei?”

De fato, a guarda do sábado era uma ordem divina. Há um simbolismo maravilhoso em torno disso, que não vem ao caso agora, mas que fala, entre outras coisas, do descanso que temos em Cristo, o Senhor do sábado. O problema não estava na lei. Estava em quem interpretava a lei ao seu alvedrio, conforme suas conveniências pessoais. “Se uma simples ovelha de um de vocês cair numa cova, vocês não vão fazer todo o esforço para tirá-la de lá, mesmo que for sábado?” Aí a lei não vale mais? Ou será que para vocês a vida e o bem-estar de um ser humano vale menos do que uma ovelha gorda, só porque ela lhes dará muito lucro em poucos dias? Acontece que os fariseus sabiam a letra, mas nunca aprenderam a música. “O sábado foi feito por causa do homem, e não o contrário”, disse-lhes Jesus.

Este é problema do legalista. Ele gaba-se em dizer “Está escrito assim e assim”, mas quase nunca compreende o que realmente quer dizer o “assim e assim”. Cansei de ver gente com a Bíblia aberta (alguns até de cabeça para baixo…) para tentar argumentar em defesa de seus pensamentos particulares. Só que não é suficiente conhecer a letra sem levar em conta o espírito. Vira farisaísmo. Quase sempre a conclusão será incoerente com a própria prática de quem está intransigente. Curar no sábado não pode. Pegar uma ovelha que caiu no buraco, pode. Cadê a coerência?

Como é notável a maneira diferente de Cristo usar as Escrituras! Ele não apenas a conhecia mas, acima de tudo, sabia usá-la com eficiência. Na sua tentação ele usou brilhantemente o “está escrito”, debelando o foco de tentação que o ameaçava. Contra os próprios fariseus usou a lei de forma correta mais de uma vez, desmascarando-lhes a ignorância. Jesus Cristo, que veio para cumprir a lei e era maior do que ela, o fez sem jamais ter-se tornado legalista.

Na verdade, o legalismo do fariseu era uma forma de disfarçar, de dissimular seu verdadeiro intento: fazer oposição burra ao trabalho do Mestre. Era só uma desculpa para tentar evitar que Jesus ao realizar o milagre da cura glorificasse a Deus e a si mesmo. Se ele fizesse isso (como de fato acabou fazendo), eles ficariam outra vez envergonhados, já que sua acusação mais comum era que Jesus não era o Messias.

O legalismo é cego. Não compreende as entre-linhas de Deus. Não tem sensibilidade para fazer o que é bom, a qualquer tempo. Preocupa-se mais com o cerimonial do que com o espiritual. Está mais para intérprete da lei e levita do que para “bom samaritano”. Os primeiros sabem tudo sobre o “próximo”. O último podia não saber quase nada, mas soube o que era o “amor ao próximo”.

Seria ótimo que de vez em quando perguntássemos a quem ensina a Bíblia o que Felipe perguntou ao eunuco: “Entendes o que lês?”