Entre aqueles que conhecem minimamente os evangelhos, ser chamado de “fariseu” é uma das maiores acusações que se pode fazer ao caráter de uma pessoa. Estive pensando esses dias na razão disso. E fiquei perplexo ao descobrir que ser fariseu não é apenas ser hipócrita. Este, sem dúvida era o desvio que mais se acentuava naquele grupo religioso, mas era só o começo.
Estou convencido de que não é à toa que eles são personagens que, embora nefastos, pegajosos, asquerosos, ocupam grande parte da narrativa dos evangelhos. É difícil virar uma página de Mateus ou Lucas sem topar com um deles. Do ministério de João Batista até à crucificação, lá estão eles! São como erva ruim, que geada não mata. Ora, se o Espírito Santo deu tanto espaço para enfocá-los, é porque temos alguma coisa para aprender, precisamos tirar alguma lição. As características de fariseu analisadas neste estudo não são, portanto, fruto de mera implicância. O próprio Senhor Jesus foi quem apontou a maior parte delas. E ele não se enganava, nem mesmo com palavras. Assim, embora não seja tarefa das mais agradáveis, será útil para nossas vidas fazer uma breve análise sobre eles. Vamos descobrir uma obscura antítese de espiritualidade verdadeira.
Antes que você comece a fazer um exercício de imaginação para descobrir “sobre quem o Marcos tá falando” (alô, pastora!!), sugiro-lhe cautela. É bem verdade que os fariseus ainda existem e estão por toda a parte. Talvez você os encontre no presbitério da sua igreja. Talvez no diaconato. Muitos estão ocupando púlpitos, envolvidos no que chamam de “a igreja que agrada a Deus”. Às vezes estarão no coral ou no conjunto da mocidade. Talvez estejam na sua casa “ou na sua parentela”. Quiçá algum deles (delas) até durma na sua cama. (Eu disse TALVEZ, TALVEZ. Se não encontrar ótimo. Nem todo presbítero ou diácono ou pregador é fariseu, tá claro??) Mas tome ainda mais cuidado: talvez você o encontre no espelho do banheiro quando for escovar os dentes de manhã. Por isso, ao invés de tentar imaginar quem são, olhe bem para ver se você mesmo não anda agindo como um deles. E esta análise vale para todos, do goleiro ao ponta-esquerda, inclusive para “este que vos fala”
Primeira lição “anti-fariseu”? Antes de pensar nos erros dos outros, pense nos seus próprios. Antes de desconfiar dos motivos dos outros, analise os seus próprios. Antes de acusar os outros, examine sua própria consciência. Difícil? Pois é, esta é a segunda lição: ser fariseu é a coisa mais natural possível, não é algo que requer muito esforço. É só deixar o barco correr. Ser como Cristo exige muito mais.
1. Gostavam muito das aparências (Mt 23:5-7; 25-28)
Para eles, o que importava era a imagem. O que o povo vai dizer. Como eu posso ganhar a simpatia e o respeito de todos através do que eles podem ver em mim. Jesus disse que eles faziam coisas boas “apenas para serem vistos pelos homens”. Esbanjavam conhecimento das Escrituras, até andavam com elas atadas ao pescoço. Faziam longas orações, com termos rebuscados e adjetivos complicados para chamar Deus. Davam esmolas, desde que os holofotes e câmaras estivessem ligados. Foram os pioneiros do “marketing” religioso. Não importa o que você é. Importa o que você pareça ser. Em outras palavras, aquilo que você consiga fazer as pessoas pensar que você é.
Isto fez com que as atitudes mais sublimes se transformassem, na experiência dos fariseus, nas práticas mais vis. Por exemplo, é ótimo orar bastante. Mas fazer uma longa oração na praça (ou na igreja), com voz impostada, olhos semi-cerrados, palavreado bonito, só para que os outros sussurrem “Puxa, como ele ora bonito”, é outra história. Conhecer a Bíblia e manter contato constante com ela é fantástico. Mas “alargar os filactérios”, isto é, esticar bem as caixinhas de pergaminhos com porções da lei de Moisés (ou carregar uma bela Bíblia de couro debaixo do braço) para que as pessoas sussurrem “Veja como ele ama a Palavra de Deus”, é outra história. Este é um sentimento perigosíssimo. Se viver um único dia das aparências, você se tornará refém delas. Nunca mais conseguirá ser autêntico. Porque a vergonha de voltar atrás e reconhecer que aquele “personagem” que você caricaturou de si mesmo não corresponde à realidade será tão grande, que cada dia mais você tentará preservar o mito em detrimento da verdade a seu respeito.
Não adianta, por exemplo, passar a idéia de que você tem uma família unida, fazendo grandes ceias de Natal, se metade dos que sentam à mesa não se falam. Qual o sentido de celebrar a Ceia dominicalmente, esta que é uma extraordinária expressão de comunhão, se pelos corredores do templo as pessoas se pisam e se evitam? Será só para manter as aparências? Da mesma forma que à sua época os fariseus procuravam demonstrar que eram piedosos através dos seus “ícones” de espiritualidade, temos os nossos modos de fazer a mesma coisa.
É por isso que até hoje ainda tem gente que, por exemplo, acha que o terno do pregador é mais importante do que a sua vida. Pode falar a besteira que quiser, desde que esteja com a aparência “certa”. Uma vez ouvi alguém dizendo que “se uma pessoa fala uma bobagem de terno, dá mais credibilidade”. É claro, tive que segurar para não rir. Essa foi ótima! Bobagem com credibilidade. Mais farisaico, impossível.
Se conhecessem mesmo o Velho Testamento, os fariseus conheceriam o que Deus disse através de Samuel: “Deus não vê como vê o homem; o homem vê o exterior (a aparência), o Senhor vê o coração”. Portanto, ao invés de olhar a vida com os olhos de um fariseu, olhemos com os olhos de Deus. Você pode aparentar ser o que não é diante de qualquer pessoa, menos dEle.
Esse era o embrião da sua hipocrisia. Sua noção de espiritualidade era mais ou menos como a do confeiteiro que faz uma torta de jiló, e depois a recobre com morangos e chantilly. Por fora, maravilhoso. Por dentro, intragável!
Semana que vem, a gente continua. Até lá!