Paulo e Barnabé no Brasil de 2001

O tão esperado ano 2000 findara. Nada de fim do mundo, tudo corria como sempre nas terras tupiniquins. A inflação caíra, o dólar subira de novo. Bem, isso não parecia fazer muita diferença, especialmente para os muitos desempregados e miseráveis que perambulavam pelas ruas. Ano de eleições, expectativas de reformas constitucionais, São Caetano nas finais do Brasileiro e tantas outras atrações.

E os crentes? Ah, sim, os crentes. Parece que saíram do anonimato e passaram a ocupar as manchetes dos jornais e TV`s por todo o país. A todo momento surgiam notícias quentes e assustadoras, são bispos, pastores, reverendos dando declarações ou sendo denunciados. De repente, a máxima que até então caracterizara os políticos, passa a caracterizar as grandes “expressões evangélicas” do país: “As mentiras destróem 50% da reputação, as verdades se encarregam de destruir os outros 50%”…

Mas é evidente que nem tudo estava tão ruim. Afinal, havia as Ilhas de Perfeição (com o devido respeito aos “Irmãos do Continente”, é lógico). Igrejas que eram o verdadeiro modelo neo-testamentário. Ali, sim, podia-se estar a salvo.

Eis que, então, surge a notícia ao mesmo tempo surpreendente e contagiante: Paulo e Barnabé estão por aqui. Isso mesmo, o Paulo da Bíblia, escritor da maioria das epístolas bíblicas, e o seu amigo Barnabé, natural de Chipre, o “José das Consolações”.

Como tudo na vida, alguns gostam da idéia, outros nem tanto.

Numa reunião para planejamento de conferências, alguém sugere:

“Que tal convidarmos o irmão Paulo para trazer as mensagens?”

Silêncio. Um ancião sentado na ponta do banco ajeita o bigode. Os outros se entreolham, esperando a primeira opinião. Além do irmão que fez a sugestão, mais três estão presentes. O mais jovem, mais afoito, objeta:

“Ouvi dizer que o Paulo costuma esticar um pouquinho suas pregações. Esses dias um irmão até caiu da janela, de tão comprida que estava a mensagem. Sabe como é, o pessoal mora longe, tem que pegar ônibus e levantar cedo no outro dia…”

“Bom, eu não ia falar nada” – diz outro presbítero – “afinal, o que vocês decidirem estará ótimo, mas a semana passada me telefonaram e disseram para tomar cuidado mesmo com esse Paulo. E nem era por falar bastante, mas a linha de interpretação dele é meio esquisita e…”

“Irmão, desculpe-me, acho que não entendi direito” – engasga-se o da sugestão. “Como disse?”

“É, ele andou falando por aí umas coisas sobre a carta aos Coríntios que francamente…”

“Peraí, irmão. Foi ele que escreveu a carta aos Coríntios. Será que ele não sabia o que ele queria dizer?”

“É aquela história, parece que ele escreveu em grego e na hora de traduzir para o português perdeu alguma coisinha”.

“Mas, o irmão aprendeu grego?”

“Não, não, quem me falou isso foi aquele irmão que me ligou. E tem mais: ele anda vendendo barracas para se sustentar. Para mim, isso fere o princípio de sustento das nossas igrejas. Já pensou se essa moda pega?”

Interrompe o presbítero de bigode: “Não é por nada, mas também se for para falar em Coríntios, nós mesmos podemos dar conta. Eu tenho até uns esboços já meio adiantados”.

O terceiro, até então calado, conclui:

“Melhor deixarmos para o ano que vem. Até lá já deu tempo de observar melhor esse Paulo”.

***

Dias depois, a algumas centenas de quilômetros dali, um grupo de jovens reúne-se com a liderança de sua igreja para acertar a programação do Congresso da Mocidade, dali a alguns meses.

Após a oração, e uma rápida troca de idéias preliminares, começam a conversar sobre quem poderia ser o pregador.

“Barnabé” – exclama ansioso um jovem franzino.

“O quê?” – respondem aflitas seis bocas, acompanhados de doze olhos arregalados dos supervisores locais.

“É. O irmão Barnabé, lá de Chipre, está passando um tempo no Brasil. Poderíamos aproveitar, porque assim a despesa de passagem não fica tão alta e…”

“NEM PENSAR! Você não sabe o que aquele moço é capaz de fazer. É um comunista de mão cheia. Já ouviu falar do estrago que ele anda aprontando por aí? Onde já se viu ficar a vida inteira ajudando os pobres? Pregar o evangelho que é bom, nada? Esse negócio de vender sítio para dividir com os outros é coisa de M.S.T., rapaz!”

“E se a moda pega? É capaz de quererem vender até aquele terreno que a igreja comprou em 1963 para abrir um ponto de pregação.”

“Sem falar que vão querer parar a reforma do salão.”

“Não, e o pior é que ele nem gravata usa. Que belo exemplo para a mocidade”.

O jovem, meio sem graça, balbucia: “Deixa prá lá”…