O assalto

Se a memória não me trair, arrisco-me em dizer que aconteceu em 1981. Uma mulher, quase sexagenária, saiu a visitar parentes em distantes lugares da baixada fluminense. De sua casa num subúrbio do Rio até lá era necessário um ônibus até a estação de Deodoro; depois um trem com paradas a perder de vista. Mas foi e passou o dia por lá. Quando voltava para casa, isto é, para a estação de trem, aparece um sujeito que inicia uma conversa com ela. O indivíduo diz que ali era um lugar perigoso, freqüentado por bandidos. De fato era. Só que, para surpresa e susto de todos nós, de um minuto pra outro, ele mesmo declara-se o malfeitor e anuncia o assalto.

A partir daí, a história toma outro rumo. O rapaz tratou a pobre mulher com a arrogância própria dos bandidos, ameaçou-a, queria dinheiro, portava uma arma – já não sei se uma faca ou arma de fogo.

Havia algo na mulher que fez diferença na hora da verdade. Certamente estava assustada, mas ainda teve condições de chamar o rapaz de “meu filho”. Pior, porque atraiu ainda mais violência. O elemento puxou-a pelo cabelo e disse:

– Eu não sou seu filho. Se você me chamar assim outra vez, eu te mato.

A senhora respondeu com autoridade:

– Não tenho medo de morrer!

Impacto.

Silêncio…

Até eu estou impactado: diante de ameaças de morte, é difícil manter a postura.

Ela continuou, agora adquirindo forças vindas do sobrenatural:

– Já cumpri minha missão. Meu filho caçula já está criado. Fiz a minha parte, não tenho medo. Se eu morrer, sei pra onde vou. E você? Se morrer, para onde vai?

O assaltante ficou perdido. Com a arma na mão, mas com o coração desmontado, transitou entre a ira, a necessidade quase legítima de assaltar e a vontade de chorar. Alguma coisa maior estava acontecendo. Seria Deus? Uma noção do eterno em confronto com a morte? Teria essa mulher recobrado nele algum temor, alguma coisa de inexplicável valor…? Ou tudo isso é conjectura minha e nada disso estivesse acontecendo…?

Tudo leva a crer que se estabeleceu ali um conflito interior no coração do sujeito. Como simples narrador de um fato, não disponho de elementos para sustentar essa idéia, permitindo-me apenas a pressuposição.

O certo foi que pediu perdão à senhora, e esta acabou lhe dando uns conselhos de mãe. Disse que Deus tinha algo melhor para a vida dele, que não valeria a pena viver assim. Disse outras coisas que só ele sabe…

Seria exagero dizer que ficaram amigos, mas posso afirmar que os dois foram até a estação de trem e que o assaltante – já não sei se essa é a melhor palavra agora – resolveu acompanhá-la, visto ser o lugar realmente muito perigoso. Ao se despedirem, a senhora deixou com o rapaz algum dinheiro para que ele, pelo menos, pudesse voltar para casa. Ele confessara estar sem um centavo e agradeceu de coração.

Anos e anos depois, esse caso parece não ter morrido. Ficou guardado em gavetas do emocional, pelo menos para mim. Gostaria de dar a ele um final feliz, daqueles em que o assaltante virasse pastor, daí aparecesse na minha cidade, no último fim de semana, ministrando uma série de conferências e que, ao dar seu testemunho de conversão, esse fato viesse à tona – ou coisa semelhante. Mas não posso. Não sou o Senhor da história. O sujeito pode ter dado ouvidos à pregação e acertado os ponteiros com Deus. Pode ter apenas chorado por uns momentos e voltado à sarjeta. Quanto à mulher, posso dizer com orgulho: É minha mãe!

por Zazo, o Nego