“Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino…” (1 Cor 13:11)
O moço era novo convertido. Não tinha mais de seis meses de crente. Compreendera a mensagem do evangelho, algo tão simples, mas não simplista e muito menos simplório. A palavra de Jesus chegara ao seu coração num momento de crise cujos detalhes não vão nos interessar agora. O fato era que se sentia uma nova criatura. No entanto ainda não tivera tempo de assumir ares evangélicos, daqueles que adotam uma linguagem característica, uma vestimenta do tipo camisa pra dentro da calça, e esta de tergal adornada por um cinto de couro, sapato no lustre – essas coisas. Ainda não aprendera termos como “uma vida”, “uma bênção”, “uma obra”, “provação”, “iniqüidade” e outras do gênero. Em resumo, exteriormente não parecia um crente da forma como a maioria os reconhece.
Se do lado de fora não parecia crente, já não se pode dizer o mesmo quanto ao homem interior, que se renovava cada dia, num alumbramento de amor pelo Senhor Jesus Cristo. Sei disso porque vasculhei a vida do personagem, a respeito do qual devo confessar que até hoje me intriga, me desafia, me inquieta. Esse cara mexe com os meus conceitos e pré + conceitos, os quais eu tento jurar de pés juntos que já não existem mais. Talvez não se parecesse com um evangélico, mas certamente com um discípulo de Jesus. Às vezes penso que, se o meu personagem estivesse na Galiléia, naqueles dias, teria sido convidado pelo Mestre a fazer parte do bando. Com todo o respeito aos apóstolos, mas tenho que admitir que – no início do ministério de nosso Senhor Jesus – eles não passavam de um bando. Só tinha maluco.
Bom, voltemos à situação do nosso jovem, que, como diria um cantor popular, era “apenas um rapaz…”. Para nós também basta saber disso e que morava num desses centros urbanos onde o perigo bate à porta todos os dias, onde gente boa fica atrás das grades de sua própria casa, enquanto bandidos controlam ou pensam controlar o correr da história e o dia-a-dia das pessoas.
O caso é que o garoto queria orar. Novinho na fé, já sentia a necessidade de estar em comunhão intensa e ininterrupta com o Pai. Queria um lugar para sentir-se mais à vontade com Jesus. Vinha do serviço numa tarde ensolarada, daquelas do horário de verão, em que às seis horas da tarde ainda se tem como pano de fundo o sol das cinco.
Queria buscar ao Senhor em um lugar tranqüilo, mas estava fora de seu bairro, longe da possibilidade de ir ao local onde sua igreja se reunia, distante de uma órbita territorial evangélica – se isso é possível. Inocentemente, deparou-se diante do prédio de uma igreja evangélica. Viu naquele local a possibilidade de entrar e orar um pouco. Afinal, alguém lhe dissera que ele agora pertencia a uma família espalhada por todo o mundo.
Só que havia alguns obstáculos: um portão, uma grade, um interfone, uma guarita e um segurança. Ficou na dúvida entre ir e não ir. O sujeito da guarita transmitia um olhar enviezado. “Será que esse cara é crente?” perguntava o rapaz a si mesmo. “Ou é um empregado de uma firma de segurança?” Venceu a timidez e foi em frente. Explicou ao homem da guarita que queria orar. Porém o indivíduo o olhou com cara de desconfiança. Sacou do interfone e comunicou-se com alguém lá dentro. Apareceu uma moça, funcionária da secretaria, testa franzida e na ponta da língua a expressão “pois não”, que mais parecia um “pois sim”. Talvez pelo andar apressado e pela rigidez de sua nuca, não tinha cara de quem iria melhorar as coisas. Nosso rapaz explicou a ela sobre sua vontade de entrar um pouquinho e orar. Não foi feliz, pois não tinha cara de crente, nem jeito, nem linguajar. Não convencia. A moça explicou que seria difícil por uma série de motivos, todos eles muito convincentes. O zelador estava lavando o salão, o pastor não estava lá naquele momento (e seria melhor se ele estivesse). Não posso assegurar ao leitor sobre o que se passava na mente da funcionária da igreja, mas pressuponho que as verdadeiras causas estivessem ligadas ao risco que corria, tanto ela como quem mais estivesse dentro do prédio. E se o rapaz fosse um assaltante? Inocência à parte, não vamos agora crucificar a menina, que só estava fazendo o seu papel. No lugar dela talvez você e eu estivéssemos agindo da mesma forma, ou não?
O rapaz, que – insisto – era apenas um rapaz, queria somente orar. A moça, constrangida, vislumbrou a chance de encerrar seu suplício quando viu estacionar do outro lado da rua movimentada o carro do Dr. Alcebíades – ai, falei o nome! -, um dos diáconos da igreja. Enfim teria alguém a quem passar o abacaxi. Dr. Alcebíades chegou, e a funcionária foi tratando de se livrar do estranho, deixando-o com o diácono, saindo de fininho em seguida, ao som de um sussurado, mas expressivo, “ufa”.
Dr. Alcebíades foi firme: “Não vai ser possível desta vez, meu rapaz, mas volte no domingo pela manhã. Teremos o prazer de recebê-lo em nosso culto, e…”
O garoto já não o ouvia mais. Em vez disso, via um bar numa esquina próxima. E foi saindo e se despedindo daquela situação. O bar falava mais alto, e para lá ele foi. Passou um tempo considerável ali, não posso dizer com precisão quanto tempo. A única coisa que sei é que quando saiu estava bêbado, não de vinho, mas do Espírito Santo. Bendito banheiro de bar, que se transformara por alguns minutos em local de busca e adoração ao único Deus vivo e verdadeiro! Sem guaritas, sem seguranças, sem interfones e sem grades. Um bar que, por ironia do destino, marcou os primeiros anos da trajetória cristã de alguém cuja única descrição será dada aqui como a de “apenas um rapaz…”
por Zazo, o Nego