Número dois do Vaticano afirma que orientação sexual, e não o celibato, é a causa de abusos contra menores cometidos por padres. Afirmações vêm no mesmo dia em que Santa Sé divulga normas que incentivam que bispos denunciem suspeitos de prática à Justiça comum
O Vaticano lançou uma dupla frente de defesa ontem no escândalo das suspeitas de abusos sexuais de menores por padres, com a divulgação de suas diretrizes internas sobre o tema, nas quais recomenda a denúncia à Justiça civil, e com a declaração de seu número dois, no Chile, de que a pedofilia não tem ligação com o celibato e sim com o homossexualismo.
“Muitos psicólogos e psiquiatras demonstraram que não há relação entre celibato e pedofilia, mas muitos outros demonstraram que há entre homossexualidade e pedofilia”, disse o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, em entrevista coletiva em Santiago reproduzida por agências de notícias.
“Essa patologia [pedofilia] aparece em todos os tipos de pessoas e, nos padres, em um grau menor em termos percentuais”, disse o religioso italiano. “O comportamento dos padres, nesses casos, é negativo, é grave e é escandaloso.”
Teólogos reputados como o suíço Hans Küng têm apontado o celibato como uma das razões para exacerbar o problema da pedofilia na igreja.
Desde que um relatório da Igreja Católica na Irlanda, publicado no ano passado, trouxe à tona que cerca de 15 mil crianças sofreram abusos nas mãos de padres e religiosos entre os anos 30 e 90, denúncias e investigações pipocaram pela Europa e voltaram a surgir nos EUA. Uma linha telefônica para denúncias anônimas por vítimas aberta no fim do mês passado na Alemanha -terra natal do papa- recebeu quase 15 mil ligações em uma semana.
Uma das principais acusações ao Vaticano é a omissão dos bispos e de outros superiores na hierarquia católica. Documentos do Vaticano revelados pela imprensa americana indicam que, quando comandava a Congregação para a Doutrina da Fé, o próprio Bento 16, então cardeal Joseph Ratzinger, atuou para abafar ao menos dois casos.
Bertone disse que a igreja nunca freou investigações e que o papa em breve tomará novas iniciativas “surpreendentes” contra os abusos.
Ontem, o Vaticano publicou em seu site suas diretrizes para lidar com o problema. Nelas, a Santa Sé recomenda explicitamente que casos com suspeitas fundamentadas sejam tratados pela Justiça canônica e levados aos tribunais civis.
“A diocese local investiga todas as alegações de abuso sexual de um menor por um clérigo”, afirma o texto. “Se a alegação tem traços de verdade, o caso é levado à Congregação para a Doutrina da Fé (…) A lei civil relativa à comunicação de crimes às devidas autoridades deve sempre ser seguida.”
Embora as regras sigam uma bula de abril de 2001, o Motu Proprio Sacramentorum sanctitatis tutela, e o Código Canônico de 1983, elas nunca haviam sido levadas a público.
A divulgação é um esforço do Vaticano para mostrar que tem agido contra o problema. Há três semanas, Bento 16 divulgou uma carta aos fiéis da Irlanda em que exortava os culpados a “responder diante de Deus, assim como diante de tribunais devidamente constituídos”.
Outro ponto que fora ressaltado no texto do papa e que as diretrizes explicitam mais é a responsabilidade dos bispos.
Segundo as regras recém-divulgadas, “o bispo local sempre retém o poder para proteger as crianças por meio da restrição das atividades de qualquer padre em sua diocese”.
“Isso faz parte de sua autoridade ordinária, que ele é incentivado a exercer na medida necessária para assegurar que as crianças não sejam prejudicadas, poder este que pode ser utilizado antes, durante e depois dos procedimentos canônicos”, emenda o texto.
De acordo com as denúncias que têm surgido, porém, nem todos os bispos agiram conforme essa regra.