Meu lado Richard Gere

Amigos, acabo de inaugurar uma nova fase da minha existência. Recentemente surgiram-me no cavanhaque e laterais da cabeça, sabe-se lá de onde, prematuras e inesperadas cãs, imediatamente denunciadas por minhas detalhistas e atenciosas filhas pequenas. Fios de cabelo branco. Prematuros, porque antes dos quarenta. Inesperadas porque era algo que contava somente daqui a 20 ou 30 anos. Será possível que a amendoeira vai começar a florescer (Ec 12:5)? Mas já?

Calma. Não vejo outros sinais de senilidade. A não ser pela rabugice (segundo alguns); por esquecer onde estão os óculos e enquanto os procuro, pisar fortemente neles tornando-os um novo lixo; por voltar três vezes ao mesmo lugar para lembrar o que estava indo fazer; por procurar incansavelmente as chaves do apartamento até que a vizinha toque a campainha para avisar que estão do lado de fora; por não entender como é que ninguém mais gosta de Bee Gees, 14 Bis e The Carpenters (esqueci o restante da lista…); por esquecer o nome da pessoa com quem estou falando há duas horas; por trocar todos os dias o nomes das minhas filhas (duas, apenas duas; se eu fosse Jacó, com duas esposas, duas concubinas e 13 filhos e filhas, morreria louco em seis meses); fora esses sinais, sou evidentemente um jovem.

Tento ver as coisas por um lado positivo. Richard Gere também é grisalho já faz bastante tempo. Nem por isso deixou de filmar. Continua ativo e esbanjando charme. Por que, então, deveria eu me preocupar quando surgem sinais de brancura em minha farta e mexicana cabeleira? Pelo menos cabelos os tenho.

Tempos atrás fui procurado por um cidadão que estava desesperado e triste. Segundo seus cálculos, ele já tinha vivido mais da metade dos seus dias e ainda não tinha feito nada na vida. Sua conclusão era deprimente. Imagine o que é olhar para trás e ver um rastro de nada. Nem sei se era verdade, mas era assim que ele se sentia. Estava preocupado com o futuro. Com razão. Talvez até com um certo atraso. Deve ser triste chegar a esta conclusão. Deus me livre.

Esta é a única coisa que me preocupa ante à implacável marcha do tempo. O vinho, quanto mais velho fica, melhor – dizem os enólogos. Mas imagino, uma vez que nada entendo desta arte, que se o vinho é ruim quando novo, não há tempo que faça o bendito melhorar. Vinho ruim é ruim novo, de meia idade ou velho. Só mesmo Jesus pode fazer o vinho novo ser melhor, porque ele entra na festa e transforma até água de talha em coisa boa. Preciso do toque transformador do Senhor, para que meus dias ganhem sentido e viço. Não quero dizer como Jacó: “poucos e maus foram os dias dos anos de minha vida”, porque isto deve ser muito chato. Quero muitos e bons dias. Quero pelo menos bons dias, se não puderem ser muitos.

O que seriam bons dias? Para mim, são dias onde nunca me faltem amigos de verdade, onde eu possa ter o suficiente para viver sem sobressaltos (e com alguma sobrinha para uma pizza de quatro queijos de vez em quando), onde eu consiga visitar Vitória uma vez por ano, onde eu consiga colecionar mais afeições do que desafetos, onde eu tenha boa vontade para ajustar minha agenda de modo a ter tempo suficiente para minhas devoções espirituais, onde eu tenha prazer na lei de Deus – para meu beneficio bem como dos que me ouvem ou lêem – onde a graça de Deus seja abundante para eu permanecer de pé. Acho que não é pedir muito.

É por isso que Salomão ensinou que a gente deve se tornar “vinho que preste” enquanto ainda dá tempo. Porque deve chegar uma hora em que nem por decreto não se consegue mais. Se tem gente que é insuportável enquanto ainda é moço, o que será deles quando a velhice chegar? Quanto mais o tempo passa, maior a dificuldade de mudar de idéia e, mesmo que se tente, tudo demora mais.

Talvez seja hora de fazer mais de algumas coisas que a gente não valoriza enquanto ainda não sentimos falta. Andar um pouco mais por um parque gramado. Viajar mais, experimentar comida diferente, tomar banho de cachoeira. Amar mais intensamente, ter mais tempo para visitar nossos parentes que ficamos anos sem ver. Escrever aquela carta, terminar aquele curso, aprender italiano. Voltar a tocar trompete. Viver cada dia como se fosse o último, não porque – como dizem – um dia você acerta, mas porque esse dia foi o Senhor quem fez, então a gente tem que se alegrar nele.

O cidadão que me procurou não sei por onde anda. Talvez continue sem rumo, mesmo depois de ter chegado à conclusão de que estava perdido. Eu sei onde estou. Não sem meta, não desferindo golpes no ar, mas ainda precisando da graça de Deus para aprender a contar os meus dias.

Lutando para alcançar um coração sábio.

Pensando bem:

“Permita que cada ano te faça uma pessoa melhor!” Benjamim Franklin