Amigos, por misericórdia. Não agüento mais ouvir falar de Nardoni, Isabella, tela de proteção. Não é que o assunto não devesse ser citado nem que o crime bárbaro possa ser esquecido. Não importa, de fato, quem praticou a barbaridade. A polícia e a justiça devem decidir quem foi e o que eles devem receber em troca. Nossas opiniões nessa hora pouco importam.
Sim, os fatos, se comprovados conforme se configuram no noticiário, mostram a falência de algumas famílias, evidenciam que o valor da vida é cada dia mais desprezível, que as pessoas sabem fazer filho, mas não sabem cuidar deles e uma porção de outras coisas péssimas sobre a sociedade dita “civilizada” do século 21. É um crime hediondo, insuportável, inclassificável. Gera uma compreensível repulsa e revolta, até.
Mas mostram também uma coisa que até agora ninguém falou, ou se falou não apareceu, já que isto tem a ver diretamente com quem tem o microfone na mão. Trata-se do papel da mídia. O poder que a imprensa tem é algo fabuloso. Não tem um único dia desde que tudo aconteceu em que não somos bombardeados 24 horas com todos os detalhes mórbidos desta história cabulosa. Daqui a pouco vão surgir patrocínios exclusivos. Algo estúpido como “A seguir o Caso ‘X’, um oferecimento de Banco ‘Tal’”.
O que há de pior no jornalismo sensacionalista veio à tona nessa cobertura. Ficou mais do que evidente a exploração da desgraça alheia. Cada canal, cada programa, cada repórter parecia querer trazer um lance mais tenebroso, uma informação mais chocante. Não se respeitou a dor dos avós maternos (que são os únicos que aparentam ter sentido o golpe de verdade), não se respeitou a imagem e a memória de uma menina indefesa que foi brutalmente assassinada. O apresentador de um telejornal da tarde esbravejava no ar: “Que a polícia venha a público me desmentir se eu estiver errado” e “Por que até agora a polícia não falou comigo?”, como se ele estivesse acima de todos e como se a polícia lhe devesse algum tipo de favor ou informação. Dá pena de ver um sujeito desses se achando uma “entidade”, uma “instituição-de-um-homem-só”. Cai na real, colega! Você não passa de um como toda a maioria dos outros e pior do que alguns deles, até. Nada além disso. Se o mundo fosse um pouquinho, mas só um pouquinho melhor, você jamais teria espaço na televisão, porque além de gago, você é chatérrimo. Sua única virtude é ter nascido em Ribeirão Preto.
Informar é uma coisa. Fazer lavagem cerebral é outra coisa. Não é só aqui. O mesmo está acontecendo na Europa com aquele vagabundo safado que mantinha a família em cárcere privado. A prefeitura da cidade já pediu aos jornalistas para irem embora, porque ninguém agüenta mais aquele monte de gente rodando pela cidade para fazer a tal “cobertura” do caso.
Lembrando que já houve casos em que a imprensa fez todo esse carnaval e as pessoas não tinham nada a ver com o peixe. Quem não se lembra dos pobres donos da escola em São Paulo que foram crucificados pela mídia como se fossem monstros molestadores de crianças e depois ficou provado que eles não tinham nada a ver com isso? O resultado foi uma vida inteira destruída, uma reputação arruinada e uma mísera indenização por danos morais, que jamais poderia restituir a existência devastada. Não imagino que seja este o caso presente, conforme indicam as diligências da polícia, mas nunca é demais lembrar que exageros de cobertura por uma imprensa ávida por audiência nem sempre costuma terminar muito bem.
Ademais, o que se viu nas últimas semanas foi um festival de gente à toa, assumindo que queria aparecer na televisão, fazendo campana na porta da casa dos outros, jogando pedra e chutando carro, numa demonstração típica de torcida organizada: um bando de gente desocupada metendo o bedelho onde não foram chamadas. Será que esse povo não trabalha? Não tem o que fazer? Como é que podem em pleno dia de expediente ter tempo para ficar na rua escrevendo cartaz?
Está na hora de mudar de assunto. Não é possível que nada mais esteja acontecendo no país que não mereça nossa atenção. Chega de fazer do sofrimento dos outros, motivo para espetáculo. Chega de transformar a barbárie em atração para nossas tardes e noites. Chega de arrumar desculpas para usar os meios de comunicação para ganhar dinheiro a qualquer custo.
Digo isso com o coração pleno de revolta contra o que foi feito contra uma vida humana. Digo isso exigindo justiça. Digo isso em defesa de uma menina que não teve como se defender. Mas digo isso também porque, se ela não merecia (e ninguém merece) o destino que teve, muito menos ela merece ver sua imagem usada o dia inteiro por gente que quer aparecer, faturar, marcar IBOPE e fazer agito jornalístico.
Passei a ter uma atitude a respeito disso: quando o caso aparece na TV eu mudo de canal. Se preciso for, desligo a televisão. Para mim, chega.
Já passou da hora de mudar de assunto.