A apenas três meses de sua anunciada viagem à Terra Santa, o papa Bento XVI acaba de comprar uma briga com os judeus. Neste sábado, um decreto papal anulou a excomunhão dos bispos Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard Williamson e Alfonso de Galaretta, todos membros da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (SSPX), entidade clerical de ultradireita sediada em Menzingen, na Suíça.
A reabilitação dos quatro religiosos tradicionalistas pode abalar seriamente as relações entre o Estado de Israel e o Vaticano, já que um dos anistiados, o inglês Williamson, nega categoricamente que tenha havido o Holocausto praticado pelos nazistas contra os judeus durante a II Guerra Mundial. Para o prelado britânico, nunca existiram as famigeradas câmaras de gás e o número de judeus mortos não passou de 300 mil – quantidade muito aquém das 6 milhões de vítimas fatais que a história registra e que Israel considera fato incontestável.
A SSPX é um grupo conservador que rejeita todas as modernizações implantadas na doutrina e na liturgia católicas pelo Concílio Vaticano II, realizado nos anos 1960 sob o papado de João XXIII. A entidade, que tem representação atuante no Brasil, possui cerca de 600 mil filiados em todo o mundo. O decreto de Bento XVI é considerado mais um passo do Vaticano para reintegrar o movimento dos tradicionalistas à comunhão católica. Mas o desagravo aos quatro bispos já é considerado por analistas como o mais duro golpe nas relações entre a Igreja Católica e os judeus em meio século.
O rabino David Rosen, chefe de assuntos interreligiosos para o Comitê Judeu Americano e interlocutor frequente da Santa Sé lembrou que o antecessor do alemão Joseph Ratzinger no comando da Igreja, João Paulo II, considerava o antissemitismo como um “pecado contra Deus e o homem”. “Pois negar a farta documentação do Holocausto é o mais descarado antissemitismo”, disparou. Líderes judeus estão inconformados porque o Vaticano não emitiu qualquer documento condenando as declarações de Williamson, feitas durante um programa de TV.
Os quatro bispos foram excomungados em 1988, já que a Igreja considerou sua ordenação pela SSPX como inválida. Além da sede em Menzingen, a Fraternidade Pio X tem seminários para formação de padres em Ecône, também na Suíça, e em Zaitzkofen (Alemanha), Flavigny-sur-Ozerain (França), Goulburn (Austrália), Winona (EUA) e La Reja (Argentina).
Fontes diplomáticas disseram que a polêmica pode inviabilizar a viagem do papa à Terra Santa, planejada para maio. No fim do ano passado, Bento XVI já havia desagradado a Israel, ao anunciar seu apoio ao processo de beatificação do papa Pio XII, que chefiou a Igreja durante a II Guerra Mundial.
No entender dos judeus, Pio XII omitiu-se diante das atrocidades cometidas pelos nazistas contra os israelitas que viviam na Europa – sobretudo os de origem russa, polonesa, alemã e austríaca.