Preparando para o brado

Amigos, talvez abalado pelo acidente que motivou meu último artigo, andei fora do ar por alguns dias. Está difícil voltar à ativa. Não houve ócio criativo. Foi mesmo um hiato sem produtividade alguma. Assuntos não faltaram. Faltou foi sentar e escrever. Desculpem-me aqueles que sentiram falta.

Entramos na contagem regressiva para a celebração de mais um “7 de setembro”. Não sei por quê, mas esta é uma data que ainda mexe comigo e me empolga. Mesmo sabendo que não somos tão livres quanto gostaríamos, mesmo sabendo que o “brado” de D. Pedro I foi mais bravata do que coragem. Existe alguma coisa de fascinante na liberdade. Rabisquei qualquer coisa relacionando isto com o Pan-americano recém-encerrado. Lembrei-me de setembros passados e até de um texto escrito a propósito (“Independência da Morte”, 07/09/2001). Pensei no quanto ainda somos dependentes como nação, atados cruelmente às desigualdades da nossa história, que ainda respingam suas injustiças e desequilíbrios num Brasil que nunca foi um Brasil só. Sempre, desde 1500, ele tem sido o Brasil dos que têm muito e vivendo ao lado do Brasil dos que nada têm. Quando alguns, beneficiados constantemente pelo poder político e econômico, tiveram a chance de desenvolver um pouco, vimos surgir uma classe média tão arrogante, cheia de si, egoísta e prepotente como as elites dominantes dos tempos da colonização e do império.

O povo ainda geme diante da escravidão do preconceito racial e econômico – um país onde mais da metade da população é negra, conta nos dedos da mão do Lula, com um dedo a menos e tudo, os universitários e os professores negros; assiste à proliferação das favelas na mesma proporção em que multiplicam os condomínios de luxo – ilhas de prosperidade em meio ao oceano de miséria; é campeão de desperdício mundial de comida, enquanto muita gente garimpa o lixo para ter o que comer. Somos “livres”? Nem tanto.

Mas há outros aspectos da liberdade sobre os quais convém refletir. Quando já pensava em mudar de assunto, tive conversas esclarecedoras sobre ser livre. Sobre a luta de quem anseia por andar com as próprias pernas. Sobre poder pensar usando sua própria cabeça. Sobre não ter que viver sob a tirania da aparência e do que os outros vão pensar. Descobri que tenho alguns amigos que lutam bravamente pelas mesmas sensações. Ainda têm anseio de ser livres. Ainda sonham com o dia em que poderão dar o seu grito do Ipiranga. Então, não posso desistir.

Comecei a acelerar as turbinas. Vem aí um novo brado da independência. Porque a escravidão, de qualquer espécie, é sempre morredoura. As amarras, sejam do corpo, da alma ou da mente, são absolutamente deletérias. Quem vive pensando no que o outro acha do que ele acha, não vive. Quem se desgasta pensando em quantos não vão gostar do que ele vai fazer, envelhece mais cedo e perde logo sua utilidade. Quem não faz porque fica com medo de ser isolado e marginalizado, vai se juntar ao grupo daqueles que ficarão metade da vida dizendo o que vão fazer para depois passar a outra metade explicando por que não fizeram nada. Se não serviu para mais nada, bendita seja a histórica frase do ex-Imperador do Brasil, “Independência ou Morte”, que nos faz refletir tão bem para uma escolha vital que todo mundo terá que fazer um dia: seremos livres ou morreremos aos poucos?

Não falo da liberdade irresponsável, sem compromisso, sem limites. Isto é apenas uma outra forma de escravidão. Isto é mais do que libertinagem. É burrice mesmo. Enfia a vida da gente em covas piores que pesadelos em noite de lua cheia. Não é simplesmente uma questão de chutar o balde, entediado, para entrar num trilho de fazer o que lhe dá na telha, sem ter que dar contas a ninguém. Isto não funciona. Estou falando de uma coisa pensada, anelada, desejada, orada, planejada ouvindo-se o pulsar do coração de Deus. De algo que nasce da vontade de fazer a coisa certa, de experimentar sensações lícitas, desejáveis e aprazíveis, bem como de provar de ideais nobres, escolhidos a dedo e permanentes. É uma revolução, sim. Mas não uma revolução cubana, que fez o povo escapar da frigideira para pôr o pé no fogo. Até hoje tem gente fugindo de lá (que o digam os atletas que fugiram da Vila Pan-americana no Rio, mês passado). É uma revolução que não assusta, que não toca horror, que não promove confusão. A não ser para aqueles que andam lucrando com a escravidão alheia. Para estes, falar em liberdade é uma heresia. Eles não querem largar o osso.

O Cristianismo tem uma vocação natural para a liberdade. “Foi para a liberdade que Cristo nos chamou”. “Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”. “Não vos prendais novamente a nenhum jugo de escravidão”. Não há espaço entre os cristãos para qualquer tipo de ditadura e opressão. Para tornar-se um cristão, a primeira coisa que uma pessoa precisa fazer é exercer sua livre vontade. É escolher, decidir soberanamente, sem pressão de ninguém, reconhecer e apropriar-se do sacrifício de Jesus na cruz do Calvário. Deus não invade. Ele não faz chantagem. Ele coloca as regras do jogo de maneira bem clara e nos deixa escolher. Mas não força a barra.

Convido você a pensar comigo nesses dias que antecedem o dia da Independência do Brasil sobre alguns aspectos da liberdade que foi conquistada para os cristãos pela obra de Cristo. O pessoal de Juiz de Fora talvez ainda se lembre dos dias em que conversamos sobre isso, num COMJUF em 2004 (10 Lições de um Juiz de Fora, 18/11/2004).

E bola pra frente. Apertem os cintos. Vamos voar.