Amigos, mais uma vez são eles. Jovens de classe média, estudantes universitários, carrões importados, que moram em condomínios de luxo. Esta semana um grupo deste tipo de rapazes decidiu espancar covarde e violentamente uma moça que aguardava no ponto de ônibus a caminho do trabalho. Ao tentar justificarem-se da barbárie, revelaram ainda mais sombria nuance do seu caráter depravado: disseram que achavam ser a moça uma prostituta. Como se isso justificasse o crime. Quer dizer que se fosse uma prostituta, eles poderiam atacar, bater, matar? Embora reprove completamente a prostituição, não posso admitir que alguém se julgue no direito de atacar uma pessoa, quem quer que seja ela, por este motivo. Se aceitarmos esta situação, teremos assinado definitivamente a falência do ser humano, dando braços ao nazismo e a toda forma de discriminação odiosa que tem ocorrido ao longo da história recente do mundo.
Não precisamos nos iludir: com estes bandidos não vai acontecer nada. Em breve estarão às soltas. Se nem o Maluf ficou preso muito tempo e ainda virou deputado (com o aval dos milhões de comparsas que nele votaram), que dirá esses moleques. Vivemos num mundo carente de justiça e míope de igualdade. Ainda somos obrigados a ouvir seus pais pedindo a imediata liberdade daqueles a quem qualificou como “um grupo de estudantes que não pode perder aulas”. Ele diz que o crime “não foi tão grave” e que no país “acontece coisa muito pior”. Mas também não podemos deixar de ouvir o desabafo do pai da moça: “Queria ver como eles reagiriam se fosse a filha deles”. Como diria o filósofo Saussere, “o ponto de vista faz o objeto”.
O que se passa na cabeça de gente que faz este tipo de coisa? Um dia, queimam um índio para vê-lo gritar. Outro dia, espancam uma moça trabalhadora no ponto de ônibus. Tudo por brincadeira. E ainda dizem que somos nós os civilizados. Os índios antropofágicos são tidos como selvagens. De fato o são. As atrocidades que cometem uns contra os outros são dignas de repúdio. Mas quem são os verdadeiros selvagens? Eles o fazem na ignorante repetição de seus modelos culturais. Aqui se faz por nada. Pelo prazer corrompido de se fazer o mal. Há uma banalização da violência. Não há mais necessidade de uma ofensa, uma desinteligência. È o império do sadismo. Não foi um ato de defesa instintivo, mas uma ação planejada, deliberada. Ao final de uma noitada regada sabe-se lá a quê, ainda não satisfeitos em suas sandices, resolvem atacar inocentes que cruzam o seu caminho. Em bandos. Sem chance de defesa. À toa. Um deles, segundo a polícia, ficou encostado no carro, rindo. Rindo do quê?
Mais uma vez se comprova a tese ingrata que defendo: ao contrário do que dizem educadores, psicólogos e políticos demagogos, o problema do país está longe de resumir-se à educação formal ou à condição social. Estes animais são todos estudantes. Não estão carentes das suas necessidades básicas de moradia, alimentação, saúde. Não se aplicam a eles as explicações dos acadêmicos sobre as causas da violência. O problema é outro. Além de ser outro, é antigo como o dilúvio, universal (não nos esqueçamos dos atiradores nas escolas estadunidenses) e, ao contrário do que se pensa, não está ligado ao meio social, mas à natureza humana.
Fico pensando no que aconteceu na Alemanha pré-Hitler. Houve um massacre de propaganda enganosa, preparando o caminho para as idéias nazistas. Quando elas chegaram e se personificaram em Adolf, a besta, quase ninguém mais gritou. Inclusive a igreja. Todos se calaram. Ninguém levantou a voz. Os poucos que o fizeram, como Dietrif Bonhoffer, foram presos e sacrificados. Penso que estamos vivendo no Brasil uma situação muito semelhante. Assistimos passivamente o mal tomando o lugar do bem. As pessoas de bem reféns do medo, da bandidagem, das feras de classe média que saem à noite para espancar. E ficamos calados. Só nos mobilizamos quando a classe média, esta praga leprosa que tem o rei na barriga, é atingida de alguma maneira. Se deixarmos que os microfones e as câmeras se desliguem depois das entrevistas dos pais destes acusados, vamos ficar com a sensação de que a culpa é da moça que estava no lugar errado àquela hora da noite.
Vamos nos acostumando a aceitar os desmandos, o poder econômico, o tráfico de influências, a manipulação dos Jôs Soares e outros imbecis da mesma estirpe a favor do homossexualismo, do aborto, do sexo livre (desde que “seguro”, como se diz), da ridicularização do casamento, da família, dos valores morais e éticos. Calamo-nos diante da desvalorização da vida, dos pais relapsos que esquecem seus filhos dentro do carro, enquanto levam seus cães de estimação para um banho de loja. Não achamos estranho que pais se separem pelos motivos mais egoístas, deixando para trás de si crianças absurdamente confusas cuidando de si mesmas, carregando um fardo insuportável.
Estamos nos preparando para aceitar o que já se comenta à boca pequena nos círculos mais sujos, embora sofisticados, das altas rodas da sociedade apodrecida do século XXI: que negros, judeus, nordestinos, prostitutas, gays, pobres (e continue a lista, que pode tornar-se interminável) são gente de segunda categoria. Que existe um tipo de gente que vale mais do que outro.
A repetição da tragédia da Barra da Tijuca é mais um sinal. Sinal que precisa ser por nós percebido. Chegou a hora em que a Igreja do Senhor Jesus, o Justo Juiz, precisa abrir a boca. Porque daqui a pouco a intolerância vai acabar se voltando contra nós, e aí não vamos ter ninguém para falar por nós nem na mídia nem no Congresso nem na sociedade.
Pensando bem:
“Que os céus destilem o orvalho e as nuvens sobre nós chovam justiça; que a terra se abra e deixe nascer a salvação” Guilherme Kerr, baseado em Isaías 45:8-11, na cantata “Consola Meu Povo”