Crentes de superfície

Amigos, um fenômeno ocorre com freqüência espantosa na igreja brasileira no século XXI. É o crescimento exponencial de igrejas evangélicas. A cada semana surgem novas, com variados estilos, para todos os gostos. Em menor escala entre as igrejas mais conservadoras e em maior profusão entre as mais contemporâneas. É sem dúvida algo para se comemorar. Num momento em que a Europa vê seus templos religiosos transformarem-se em pizzarias, boates e butiques, é animador ver o despertar da fé latino-americana.

No entanto, um olhar mais atento vai perceber (mesmo quando não se olha com os óculos da ultra-crítica exclusivista, tão comum em alguns grupos) que nem tudo é motivo para comemoração. Isto porque na esteira do crescimento, ou para usar uma figura bíblica, no arrastar da rede para a praia, encontramos peixes bons e peixes ruins. Ao contrário dos grandes avivamentos ocorridos em outras épocas da história, o nosso avivamento tem sido marcado por uma extensão de 1.000 Km por uma profundidade de 1 cm. O nível de crescimento numérico não tem sido proporcional ao nível de discernimento dos novos crentes.

Este assunto é amplo, complexo, importantíssimo. Merece uma reflexão profunda. Quem sabe merece algumas reuniões de líderes, que se debrucem sobre o caso e procurem encontrar soluções antes que comece a haver uma reversão do quadro, que nos torne tão áridos quanto o evangelicalismo norteamericano e europeu. Esta coluna não pretende esgotar o assunto. Apenas comenta brevemente sobre uma das razões que leva a este estado de coisas: muita gente que é batizada, membro de igreja, envolvida em algum ministério da igreja ou, especialmente, que compõe as massas que se sentam nos bancos dos templos evangélicos por todo o país, embora contados nas estatísticas como “cristãos evangélicos”, na verdade nunca entenderam de fato o que é ser um cristão. Nunca ouviram o Evangelho da graça em toda a sua magnitude e por isso mesmo nunca passaram pela experiência do Novo Nascimento.

Cheguei a esta conclusão depois de conversar com vários líderes de jovens em contextos denominacionais diferentes (inclusive o meu próprio), que buscam desesperadamente descobrir a razão de tanta indiferença dos cristãos da nossa geração para com os interesses do Reino, da excessiva similaridade entre os que servem a Deus e os que não servem, da preocupação em saber até onde se pode ir com o mundo sem tirar o pé da igreja.

Reitero que esta não é uma questão de simples diagnóstico, nem de simples solução. Mas entendo também que precisamos voltar ao início de tudo e nos perguntarmos que tipo de “Evangelho” os “evangélicos” têm pregado. Porque Paulo ensina aos Colossenses que “do modo como recebemos a Cristo, o Senhor, assim também andai nele”. Isto é, aquilo que entendemos, pela exposição que nos foi feita da mensagem do Evangelho, de quem Cristo é, do que ele propõe para a nossa vida a partir do momento que o aceitamos, da caminhada que nos espera, das expectativas que devemos ter em relação à nossa nova vida, tudo isso é determinante para o tipo de cristãos que vamos ser.
Sou um defensor inveterado do crescimento da igreja. Não tenho coragem de me juntar ao coro dos que dizem que toda igreja que cresce não prega o Evangelho puro ou que uma igreja não pode ser muito grande. Porque isso nega a própria história da Igreja, desde o tempo dos Atos dos Apóstolos, onde “grandes multidões” se convertiam e eram ensinadas no Caminho. Porém, nunca alguém me ouviu dizendo ou leu que eu tenha escrito que o crescimento de uma igreja deve se dar “a qualquer preço”. Não se fabricam convertidos. Não se pode enganar as pessoas com uma apresentação ralinha do evangelho tipo “Deus-tem-um-plano-para-sua-vida” ou “Jesus-te-ama”, seguida da repetição “papagaística” da chamada “Oração do Pecador”. Uma pessoa não pode clamar o nome do Senhor sem antes entender o fato de que é um pecador perdido, que não pode salvar-se por si mesmo, que Jesus Cristo veio para tomar a sua culpa sobre a Cruz, que ele precisa abandonar seus vãos esforços e confiar exclusivamente na obra redentora de Jesus e que, agora sim, ele precisa clamar pela salvação de Deus, crendo no coração e confessando com os lábios. Este é, resumidamente, o que uma pessoa precisa fazer para ser salvo.

Esta experiência, que obviamente vai variar muito de pessoa para pessoa, tem sido cada vez mais rara na nossa realidade de igreja. Como já mencionei aqui outras vezes, o mais comum é o testemunho de sociabilidades (“gostei da galera e fui ficando por aqui”), da conveniência (“eu não poderia namorar o Bruninho se não me convertesse”), da hereditariedade (“já sou a terceira geração da família mais importante da igreja”), da amizade (“o pessoal me acolheu muito bem”), dos gostos pessoais (“Ah, como esse pastor prega bem” ou “a música aqui é de primeira qualidade”), das soluções dos dramas pessoais (“depois que eu vim para esta igreja, eu salvei meu casamento”), dos interesses de saúde e prosperidade (“eu fui curada de câncer no ovário”, “eu arrumei um emprego ótimo”, “minha vida está melhorando muito agora”).

Não vejo nenhum problema no fato de que uma pessoa venha a Cristo por qualquer destes motivos. Sei bem que Ele inclusive usa estas circunstâncias para atrair aqueles a quem ama. A questão não é vir a Cristo por causa desses interesses. É ficar com Cristo por causa disso. Porque simplesmente a proposta do Cristianismo é infinitamente maior do que a solução de problemas temporais, por mais dramáticos que eles possam ser.

Acho estranho quando a igreja se assemelha mais a uma ONG ou a uma agência do AA do que a uma unidade viva, sinal do Reino de Deus na terra. Nada contra as ONGs sérias, que melhoram a vida das pessoas, promovendo bem-estar, dignidade e oportunidades. Nada contra o magnífico trabalho dos Alcoólatras Anônimos, que têm tirado muita gente da miséria. Mas isso qualquer um pode fazer. Inclusive a Igreja. Aliás, a Igreja pode e deve agir neste sentido também. Mas há uma tarefa que somente a Igreja de Jesus pode fazer: ser sal e luz, ser agência difusora de uma mensagem que transforma o homem de dentro para fora, que coloca de volta a perspectiva perdida da eternidade, da transcendência, do propósito da vida, da razão de viver. Isto só o Evangelho faz.

É hora de revermos em que tipo de Evangelho estamos crendo. Porque isto vai dizer o tipo de Evangelho que estamos pregando, o que por sua vez vai determinar o tipo de “crentes” que vamos ter nas nossas igrejas.