Amigos, há tempos que este assunto me persegue. De fato, de vez em quando sou lembrado dele por amigos internautas e outros que me abordam pessoalmente. Volta e meia me perguntam porque é que eu escrevo uma coluna num portal cristão abordando temas que não são “espirituais”. Não admitem que eu fale sobre futebol, política, aquecimento global ou celebridades. Ainda que de alguma maneira seja feita alguma aplicação ou reflexão direta que nos remeta à nossa relação com Deus. Já houve quem me dissesse que é preciso aproveitar melhor o espaço. Que os outros que vieram antes de mim, melhores do que eu, nunca se importaram com esses temas. Que falar sobre os temas da vida não edificam. Que isso não é assunto que interessa aos crentes.
Cada vez que alguém me diz isso, eu fico a pensar no conceito que as pessoas têm do que significa ser “espiritual”. A impressão cada vez mais nítida é de que não se conseguiu ainda na igreja evangélica ter a compreensão do homem como um ser integral: corpo, alma e espírito sendo as dimensões que compõem o mesmo homem. Entendo que quando Deus nos salva, ele nos salva por inteiro e que por isso mesmo espiritualidade não é apenas uma parte da minha vida, aquela que tem a ver com igreja, Bíblia, oração, louvor, etc, mas que tem a ver com toda a minha vida. E é por isso que eu escrevo sobre os mais variados temas da vida. Quem não compreende isso, faz a vida uma série de gavetas: uma delas é a vida com Deus. Isso, para eles, é espiritualidade. O resto é a vida “normal”, “natural” ou “carnal”.
Escrevo sobre todas estas coisas porque entendo que preciso perceber o que se passa à minha volta com senso crítico e vigilância. Não posso engolir tudo o que me dizem, porque corro o risco de de repente passar a defender a causa errada. Nossos jovens estão expostos (como de resto todos os jovens em todas as épocas estiveram) ao pensamento mundano, ditado pelos meios de comunicação e informação. Somos bombardeados todos os dias com falsos conceitos, que nos induzem a um estilo de vida anti-Deus. Precisamos ter opinião a respeito dessas coisas.
Não é este o espaço para uma explanação teológica ou filosófica. Basta dizer que eu entendo que nossa compreensão do mundo precisa ser ampliada. A História, a política, o esporte, a educação, a mídia, as filosofias, tudo isso influencia na nossa relação com Deus. É de todas estas coisas que Deus está falando quando ele nos ensina a não amar “o mundo”. E tem gente que até hoje ainda acha que “ser do mundo” é assistir televisão, ir ao cinema, usar roupa deste ou daquele tipo, ter o cabelo com tantos centímetros ou ingerir bebida alcoólica em qualquer quantidade. Desde que não se façam essas coisas, pensam eles, você não é “do mundo”. É uma boa pedida perguntar a cada pregador que fala sobre esse assunto o que ele realmente entende por “mundo”.
Nenhum ensinador da Bíblia precisa fugir de qualquer assunto ou limitar seu interesse àqueles ditos espirituais. Não temos como viver num estado de isolamento das coisas deste mundo, mas precisamos identificá-las, denunciá-las e ensinar o nosso povo a escolher as coisas eternas. Por esta razão, não falo apenas daquilo que agrada aos ouvidos dos pseudo-espirituais. Estes são os que lêem e estudam exaustivamente a Bíblia, mas perderam a capacidade de aplicar o que aprendem ali à vida cotidiana.
Uma das coisas mais pedantes e enfadonhas é o ensino bíblico que se transforma num fim em si mesmo. Tenho percebido como igrejas inteiras são levadas à idolatria do ensino. Estudam, fazem conferências, escolas bíblicas, semanas de estudo, classes de doutrinas. Porém, você percebe que o que se ensina é apenas para encher a cabeça de conhecimento. Não há aplicação prática. São aqueles que gostam dos textos difíceis da Bíblia, que esbanjam um conhecimento aprofundado das línguas originais, dos termos teológicos complicados, das comparações textuais, de fazer questão por esta ou aquela tradução. Quando não, lêem um texto, pegam uma palavra pinçada no texto e fazem um infindável arrazoado sobre aquilo que gostariam de falar, independentemente do que leram. Quanto mais passa o tempo, mais acho isso tudo um verdadeiro porre. Mas parece que há um público cativo para isso. Eles veneram os que “ensinam” assim. Acho que sei por quê. É que pregações desta natureza são excelentes para quem não vai tomar atitude nenhuma na vida. Você ouve, ouve, ouve. Quando termina, você levanta e vai para casa, todo orgulhoso de ser de uma igreja onde “se ensina a sã doutrina”. Depois de uma explanação profunda sobre a união hipostática de Cristo ou sobre as nuances soteriológicas da teologia paulina ou quem sabe sobre as implicações vetero-testamentárias das visões de Zacarias, tudo o que você tem a fazer é voltar correndo para casa a fim de concluir a macarronada com molho de chapignon que lhe aguarda. E nada mais.
Não que eu seja contrário à teologia. Creio que ela é necessária. Porém não esta teologia que não tem a ver com a minha vida. Sou um fã inveterado da exposição bíblica, mas detesto cada vez com maior força o exibicionismo teológico. Falar sobre temas bonitos que não tenham aplicação direta e imediata é uma tremenda perda de tempo. Porque isso não gera vida. Não produz transformação. Só enche a cabeça de conhecimento para depois virar discussão na hora do jantar por causa de filigranas.
Por isso entendo que eu não serei mais espiritual se passar a escrever compêndios teológicos no lugar de crônicas do dia-a-dia. Poderei ganhar a notoriedade de alguns mais sofisticados. Poderei passar a agradar um público sedento de erudição. Mas não é para isso que esta coluna foi criada. O seu propósito é fazer as pessoas pensarem. Pensarem em tudo. Na vida, na morte, na alegria, na tristeza, no efêmero, no eterno. No amanhã no céu bem como no hoje na terra. No fim do mundo e no fim do Campeonato Paulista. No neonazismo, na política neoliberal e nos escândalos da política nacional. E depois de pensarem, serem levadas a tomar atitudes corretas e coerentes com sua declaração de fé no Evangelho da graça de Cristo, mesmo vivendo numa sociedade onde o mal impera e os valores são invertidos.
Simplesmente eu não consigo enxergar a vida como uma loja de departamentos: no térreo, os móveis. No primeiro andar, os eletro-eletrônicos e no terceiro, as roupas íntimas e as coleções de inverno. A vida é a vida. Completa, integral. Um todo. E eu quero falar sobre a vida como ela é e como ela pode ser na medida em que a gente começa a pensar como Deus. Desculpem-me se, ao fazer isso, eu parecer pouco espiritual.
Podem me chamar do que quiserem. Só me chamem para almoçar. De preferência aquela picanha maturada, um bobó de camarão ou um salmão ao forno.
Pensando bem:
“O pregador relevante é aquele que usa a Bíblia na mão direita e o jornal de hoje na mão esquerda.” (Citação livre de um pregador famoso que não sei o nome. Mas ele era famoso)