Amigos, não pensei que um dia precisaria escrever sobre isso. Para ser sincero, neste momento minha inclinação seguia outra direção. Mas foram tantas as conversas, virtuais ou não, sobre o tema, que percebi que poderia ser útil debruçar-me sobre a seguinte reflexão: é errado pensar em mudar de igreja?
A reação mais comum é dizer que sim. Aqueles que deixam uma igreja por uma razão que não seja a mudança de cidade, em geral são vistos como rebeldes, criadores de problemas, negligentes, sem compromisso ou irresponsáveis. Não há dúvida de que, em muitos casos, os adjetivos se aplicam. A experiência mostra, entretanto, que há mais razões além destas que fazem pessoas honestas, por motivos honestos, pensarem honestamente que é hora de partir. Pensando nessas pessoas, e não naquelas primeiras, decidi correr todos os riscos inerentes ao tocar no assunto, para de alguma maneira oferecer subsídio para os que estão vivendo esta circunstância.
Igreja é lugar de vida, é um ambiente ideal para crescimento, é um espaço para onde pessoas, um dia alheias a Deus, se dirigem transformadas pelo poder do Evangelho em busca da continuidade e alvo maior da sua salvação: ser cada dia mais parecidas com Jesus Cristo. A igreja é responsável por nutri-las, incentivá-las, treiná-las, confrontá-las, oferecer-lhes as condições necessárias para seu crescimento, exercitá-las na prática da mutualidade.
Antes que venham os maus dias nos quais dirás “as pessoas mudam porque procuram uma igreja perfeita, e igreja perfeita não existe”, apresso-me em explicar aos doutores da lei que não é disso que estamos falando. Há razões certas e razões erradas para se frustrar com uma igreja. Vamos primeiro a alguns exemplos de razões erradas:
- Estilo e forma. Se o louvor é animado, tem palma ou não, se canta com hinário ou sem, se o culto é assim ou assado, se tem célula ou reunião de oração etc.
- Problemas em nós mesmos ou que nos envolvam que não desejamos tratar. Nesse caso, para onde a gente for, ali estará também o problema.
- Politicagem. Às vezes tentamos impor interesses pessoais, familiares ou de afinidade e somos barrados por uma liderança madura; aí perdemos espaço e pensamos em ir embora.
- Assuntos não fundamentais a respeito dos quais discordamos. Questões de interpretação, exigências sobre vestimentas, etc.
- Empolgação por uma outra igreja após uma visita breve ou por conta de contatos esporádicos, sem compromisso. Qualquer lugar aonde se vá em férias ou como visitante é ótimo. Conviver ali é outra história.
- A busca da igreja em Xangrilá. Na mesma cidade-sonho que o clássico da literatura propunha, alguns imaginam ter uma igreja onde tudo é um mar-de-rosas e problemas não existem.
- Rebeldia contra a liderança. Se, por exemplo, ela confrontou você biblicamente – ou a alguém da sua família – por causa de algum erro ou pecado cometido e você não aceitou esta situação, você agiu como rebelde.
Devem haver outros. A mim, para o momento, bastam para demonstrar que estou consciente de que certas coisas que muita gente alega para reclamar da sua igreja e pensar em deixá-la não procedem. São os casos em que a lepra não está na casa, está no corpo*. Para onde ele for, vai levá-la consigo. Não adianta, neste caso, culpar a igreja. O sujeito é o problema e, para dizer a verdade, é até melhor que ele saia mesmo dali, para não continuar estragando o ambiente. Quando isso acontece, a mudança será notória: o problemático se muda, todo mundo percebe a diferença. As coisas melhoram quase que instantaneamente. Se ele era mesmo o culpado, após sua saída o ambiente vai mudar, o ânimo das pessoas vai melhorar, o prazer de servir se redobrará, as coisas, enfim, voltarão à normalidade. É simples assim.
Até aqui, pouca gente discorda. Nossos estudos, artigos e livros sobre o assunto param nesta página. A clássica pergunta que precisa ser feita é a mesma que os apóstolos fizeram no cenáculo, durante a última ceia: “porventura sou eu, Senhor?” Será que estou sendo um problema a mais, alguém que contribui para o caos e não para a ordem?
Eu sempre tenho dito que muita gente quer mudar tudo, vive falando em modernidade, de atualização. Mas quando você pergunta: “Ok, amigão. Então vamos lá. O que você quer mudar e por quê?”, a conversa cessa. Gente assim é problema muito mais do que solução. Então, se você está reclamando da sua igreja e está pensando em sair, antes de mais nada dê uma relida nos itens acima e veja se não está incorrendo em algum desses erros. Se estiver, antes de ir embora, procure corrigir-se primeiro. Às vezes a vontade de ir embora vai passar.
Não estando preso ao convencional, permita-me ir um pouco além. Poderia haver o caso de que o problema está com a igreja e não com a pessoa? Pode haver lepra na casa e não no corpo?
Não gostaria de dizer isso, mas infelizmente isso é cada dia mais comum. Fruto da visão estreita, da falta de escrúpulos, de projetos pessoais que se impõem à missão da igreja, encontramos muita gente perdida no meio da cristandade. São cristãos cujas igrejas que perderam seu propósito, não sabem mais por que existem. Transformaram-se num elemento bloqueador, numa fonte inesgotável de problemas não resolvidos que passa a ser um empecilho e não um celeiro. Não adianta tentar tapar o sol com a peneira: existem igrejas que, ao invés de serem um canal de bênçãos, viraram um verdadeiro Mar Morto. Não era para ser assim, mas é. Assim como tem igreja cujos jovens não querem saber de nada e não têm compromisso, também tem igreja em que os jovens que permanecem são verdadeiros heróis. Eu não sei se agüentaria tanto tempo o que alguns irmãos estão agüentando.
Cabe aos líderes (sejam pastores, presbíteros, apóstolos, ou bispos) que me lêem, ao invés de ficar falando mal pelas costas e pedindo para os seus jovens não lerem mais esta coluna, analisar até que ponto sua igreja é celeiro ou é cemitério. Se fomenta os sonhos que Deus dá ao Seu povo ou se mata-os no ninho. Se olha para o futuro sem medo ou para o passado com lágrimas. Se você se estabeleceu como líder, o mínimo que deveria saber é o que Deus espera e pensa da Igreja. Porque enquanto fingimos que não é conosco e que tudo vai bem, gente talentosa está procurando alternativas. Algumas melhores e algumas piores.
Há, então, alguma razão legítima para se considerar uma mudança? Sim, há.
Quando chega a hora de partir (2)
(*) A figura usada aqui é do Velho Testamento. O livro de Levítico descreve com detalhe os vários tipos de lepra e como tratá-los. Havia lepra na roupa, na pele, na casa e até nos objetos. Tratava-se possivelmente, de mofos ou umidades. As Escrituras ensinavam como agir diante de cada caso. Para maiores informações, leia Levítico capítulos 13 e 14.
Pensando bem:
“É impossível haver progresso sem mudança; e quem não consegue mudar a si mesmo, não muda coisa alguma.” Raimar Richers