Amigos, os desprovidos se multiplicam. Primeiro vieram os sem-terra, depois os sem-teto, finalmente os sem-floresta. Agora chegaram os sem-igreja. Aqueles supostamente lutam por um pedaço de chão para plantar e colher. Digo “supostamente”, porque muitos deles nunca pegaram numa enxada na vida. Outros, mesmo depois de conseguirem o que pedem, continuam invadindo terra alheia, numa demonstração muito maior de banditismo do que de consciência social. Os sem-teto parecem ter mais coerência na suas reivindicações. Afinal, quando conseguem um teto, eles param debaixo dele e sossegam. Não viram especuladores imobiliários. Os sem-floresta, representados pelos personagens de um desenho animado, são os bichinhos expulsos de seu habitat pelo bicho-homem. E então surgiram no cenário os sem-igreja: aqueles que ainda acham que é possível sem crente em casa, que pregam que o importante é a sua relação com Deus e não com a igreja, que a igreja é uma instituição falida, hipócrita e intolerante, que eles preferem não ter compromisso com apenas uma igreja e todos os seus defeitos, mas freqüentar várias para tirar o que cada uma tem de melhor, que eles são “de Cristo” e isto basta e por aí segue. Este grupo não consigo entender bem.
Só sei que um fenômeno consoante ao pensamento da pós-modernidade, onde, mais do que nunca, cada cabeça é uma sentença, a verdade é uma questão individual, os absolutos não existem e a tolerância é sinônimo de abarcar qualquer conceito que se queira, já que o certo e o errado não existem (dependem da visão de cada um).
Nos anos 90, houve a proliferação dos Congressos e cruzeiros de pregadores famosos. Cada editora, entidade ou denominação fazia o seu nos hotéis de luxo, balneários e estâncias hidrominerais. Fora as viagens em Boeing fretado para Israel, batismo no rio Jordão e não sei mais o quê. Nessa época, eu trabalhava com livraria evangélica e era muito comum ver cristãos embasbacados na segunda-feira contando a “bênção que foi o Pastor Fulano”, a “unção do Bispo Cicrano” e assim por diante. O notável é que a maioria desses congressistas hibernava na terça-feira e só acordava às vésperas do próximo encontro. Pouco a pouco, alguns congressos acabaram ou perderam impacto. Seja porque o líder principal sofreu alguma síncope (como foi o caso dos Congressos da Vinde), outros começaram a ficar com medo de viajar para o Oriente por causa das guerras, outros viraram lugar-comum. Quando passou essa febre, sobrou pouca gente. Eram crentes de congresso.
Geramos uma geração que detesta compromisso. É muito mais fácil pagar o ingresso, ficar na arquibancada falando mal do técnico e depois ir embora para casa do que estar efetivamente envolvido no processo. Por isso, não tenho respeito por quem fala mal da igreja, aponta erros, mesmo que existentes, pratica o denuncismo vazio, se o sujeito não está pelo menos ligado a uma igreja. Se ele não diz a que veio, não faz sentido reclamar. Isso é tão hipócrita quanto a hipocrisia que ele pretende denunciar. Não digo isso como uma mera opinião. Penso assim por pelo menos quatro razões.
Primeiro, porque a igreja é uma instituição divina. Como tal, não pode estar falida. É como o casamento: embora a sociedade o ridicularize e diga que o casamento é uma massa falida, somos obrigados como gente da fé a nos levantar e dizer “não, senhores: falidos estamos nós, por causa do nosso orgulho, egoísmo e hedonismo.” O problema não é com o casamento, é com os casados.
Ciente de que contrario aqui a opinião de muitos dos meus queridos leitores, não gosto da postura de gente como Philip Yancey, que escreve livros como “Sou Cristão, Apesar da Igreja”. Se a Igreja pudesse escrever um livro, ela bem possivelmente diria “Sou Igreja, Apesar dos Cristãos”. A igreja não é uma mera instituição religiosa. Não é composta de convenções, sedes, organizações jurídicas, redes de franchising ou centrais de “aclamações apostólicas”. A igreja somos nós. Por isso, não adianta falar da igreja como se fosse uma entidade, uma terceira pessoa, aquela “de quem se fala”. Essa idéia de que posso ser cristão à parte deste processo é falsa. Se sou mesmo cristão, faço parte direta e visceralmente da coisa toda.
Segundo, porque Jesus ensinou que quem não quer compromisso na terra, não pode ter compromisso no céu. Você não precisa ser membro de uma igreja para ser salvo. Para isto basta crer no Senhor Jesus. Porém, como diria Arnaldo César Coelho, a regra é clara: se você já é salvo pelo sangue do Cordeiro, precisa estar em conexão com uma igreja local. Caso contrário, sua comunhão com Deus estará interrompida. Ser ligado na terra é estar em comunhão com os que são de Deus. Foi o que ele disse quando afirmou “o que ligardes na terra será ligado no céu e o que desligardes na terra será desligado no céu”. Ouço muita gente dizendo que para estar bem com Deus não é preciso estar em uma igreja, que isso é secundário, que o que importa é a sua devoção pessoal. Não, segundo este versículo. Esta é uma situação impossível. Quem está em comunhão com Deus necessariamente precisa estar em comunhão com seus irmãos. E a prática comprova a teoria. Quem diz esse tipo de coisa, invariavelmente não está nada bem com Deus. Usa isso como desculpa para justificar sua falta de compromisso. O que o apóstolo João disse sobre o amor é válido também para a comunhão: se você não ama a seu irmão a quem você vê, como pode amar a Deus a quem você não vê?
Terceiro, porque se todo mundo pensar assim, quem vai sobrar para cuidar de uma igreja? É muito cômoda a posição de “usuário”. Você vai à igreja “x” por causa do louvor, à igreja “y” por causa dos estudos bíblicos, à igreja “z” porque a reunião de oração é mais animada e à igreja “j” porque celebra a Ceia do Senhor de um jeito mais legal. Ótimo. Só que você se esquece de que a igreja “x” só tem um louvor bacana, bem ensaiado e inspirador porque um grupo de abnegados está ensaiando o domingo inteiro enquanto você assiste ao Campeonato Brasileiro na TV ou toma um banho de sol à beira da piscina. A igreja “y” tem bons estudos bíblicos porque pastores e mestres gastam horas em cima de um texto, pesquisando a internet ou lendo comentários enquanto você se esparrama no sofá para assistir o Jornal Nacional ou para ler a revista Veja (argh! Que mau gosto!!). Se todo mundo pensar que pode pular de galho em galho ao fragor de seus gostos pessoais, não ficaria ninguém para tomar conta da garrafa. Por isso é que eu digo que não respeito quem diz e age assim. São parasitas. São como ciganos ou hippies, que criticam o sistema para não pagar impostos, mas se utilizam das estradas, da eletricidade, da água encanada e de tudo mais que o sistema criticado lhes ofereça. Não é que o sistema seja perfeito e não tenha suas injustiças. É que eles mesmos não estão dispostos a mover uma palha para ajudar a consertar.
Quarto, porque esta onda que ganha, por óbvios motivos, cada vez mais adeptos, é uma tendência que desvirtua a graça de Deus. Virou moda agora criticar a igreja e depois sair para comunidades livres, descomprometidas com uma caminhada de mutualidade. Em geral, essa atitude é gerada por pessoas que cometem seus deslizes e depois se recusam a submeter-se ao devido tratamento. Entram naquela de “se alguém nunca errou, que atire a primeira pedra”, como se isso justificasse seus próprios erros. Erram quando tentam defender uma graça que aceita tudo, perdoa tudo, restaura tudo, que dá uma chance para um novo começo e ponto final. Esta não é a graça da Bíblia. A graça de Deus, ao invés deste ponto, coloca uma vírgula. O amor de Deus é incondicional. Mas o perdão de Deus não é. Para ser perdoado, o pecador precisa aceitar os termos que Deus estabelece. Não há perdão de pecado sem confissão e arrependimento. E tem muita gente querendo que a igreja engula seus podres e passe por cima deles, sem que passem pelo processo necessário para esta restauração. Obviamente que há pecado e pecado. Nem todo pecado deve ser tratado da mesma maneira. Não entro aqui neste mérito. Mas quando, em nome da graça, começo a ver gente como Yancey dizendo que a igreja não pode julgar o homossexualismo – entenda-se por “julgar” chamar homossexualismo de pecado e abominação diante de Deus, como a Bíblia o faz -, percebo o que está na raiz deste movimento. Outro dia, um famoso cantor e compositor cristão brasileiro deixou a mulher, foi viver com outra e queria que a igreja não fizesse nada. Tudo em nome da graça. Desculpem, mas nessa eu não entro.
Não preciso defender a igreja. Seu Noivo a defenderá melhor do que eu. Mas deixo claro para a geração que me lê, mesmo correndo o risco de ser rotulado, que continuo crendo na Igreja do Deus vivo como a única coluna e baluarte da verdade. A única referência para um mundo pluralista, rebelde e pagão. Faço minhas as palavras do Credo Apostólico: “Eu creio na igreja, pura, santa e verdadeira”.
O resto é balela de recalcados.