De volta ao dinheiro…
5:10 Quem ama o dinheiro não se fartará de dinheiro; nem o que ama a riqueza se fartará do ganho; também isso é vaidade.
11 Quando se multiplicam os bens, multiplicam-se também os que comem; e que proveito tem o seu dono senão o de vê-los com os seus olhos?
12 Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco quer muito; mas a saciedade do rico não o deixa dormir.
Mais uma vez o Koheleth volta ao assunto: dinheiro. Muitos dizem que dinheiro é uma coisa neutra – nem é bom nem é mau. Mas não é assim que a Bíblia trata do assunto. Devemos lembrar que o dinheiro não é neutro. Afinal, nem tudo tem o poder inerente de se tornar um deus – o dinheiro pode se tornar um deus porque confere poder. E tudo quanto confere poder detém em si mesmo o potencial de rivalizar com Deus[1]. Dinheiro não é neutro. Dinheiro é facilmente elevado à categoria de deus. Dinheiro rapidamente vira Mamom – a forma mais adequada de traduzir Mamom seria “dinheiro elevado à categoria de deus”.
Nestes três versículos o Pregador dá três ditados sobre o dinheiro: O v.10 trata da sua insaciabilidade; o v.11 fala da desconfiança trazida pelo dinheiro; e finalmente o v.12 fala da indigestão do dinheiro.
Insaciabilidade
A gana implacável que o dinheiro desperta é muito óbvia no magnata e no materialista bem-pago. Estes, nunca tem o suficiente, porque o amor ao dinheiro cresce na proporção com que é alimentado.
No entanto, esta ganância pode se manifestar de maneira mais sutil, na forma de um descontentamento generalizado: um desejo não necessariamente de mais dinheiro, mas de satisfação interior. Se existe coisa pior do que o vício gerado pelo dinheiro é o vazio que ele deixa na vida das pessoas. O homem, com a eternidade no coração, precisa de um alimento melhor do que esse.
Desconfiança
O segundo dos três ditados (v.11) parece referir-se ao enxame de aproveitadores agregados aos endinheirados. Os relacionamentos ficam sub judice, ou seja, o rico não sabe quem é sincero e quem é aproveitador. Por isso todas as pessoas ao redor do rico se transformam em candidatas ao banco dos réus.
Indigestão
O terceiro ditado sobre o dinheiro (v.12) exemplifica qualquer situação em que a riqueza e a indulgência dão-se as mãos. Neste ditado, a saciedade do rico não o deixa dormir [não por causa do excesso de trabalho – como em 2:23], porque simplesmente comeu demais!
Segurança no que é inseguro
5:13 Há um grave mal que vi debaixo do sol: riquezas foram guardadas por seu dono para o seu próprio dano; 14 e as mesmas riquezas se perderam por qualquer má aventura; e havendo algum filho nada fica na sua mão.
15 Como saiu do ventre de sua mãe, assim também se irá, nu como veio; e nada tomará do seu trabalho, que possa levar na mão.
16 Ora isso é um grave mal; porque justamente como veio, assim há de ir; e que proveito lhe vem de ter trabalhado para o vento, 17 e de haver passado todos os seus dias nas trevas, e de haver padecido muito enfado, enfermidades e aborrecimento?
Aqui, temos um homem que perde todo o seu dinheiro de um só golpe, deixando a família desamparada. De certa forma, esta perda súbita até faria sentido, se fosse um castigo para negócios ilícitos (Provérbios 13:11[2]), ou se fosse uma fortuna ganha em jogatinas. Mas, na verdade, trata-se de dinheiro ganho com trabalho e investimentos genuínos. A vida dele foi duplamente desperdiçada, primeiro ganhando, depois perdendo. E, se este é um caso extremo, também nós enfrentamos algo parecido: todos nós partiremos tão nus quanto chegamos.
“Mas isto não é justo!”, poderíamos dizer. Neste ponto convém lembrar que esse homem talvez quisesse da vida mais do que ela podia dar. Se os seus planos eram feitos apenas com base no que estava ao seu alcance e no que prometia alguma segurança, então ele estava olhando na direção errada.
A via alternativa
5:18 Eis aqui o que eu vi, uma boa e bela coisa: alguém comer e beber, e gozar cada um do bem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol, todos os dias da vida que Deus lhe deu; pois esse é o seu quinhão.
19 E quanto ao homem a quem Deus deu riquezas e bens, e poder para desfrutá-los, receber o seu quinhão, e se regozijar no seu trabalho, isso é dom de Deus.
20 Pois não se lembrará muito dos dias da sua vida; porque Deus lhe enche de alegria o coração.
À primeira vista o trecho parece um mero elogio à simplicidade e à moderação. Mas, de fato, a palavra-chave é Deus. O segredo da vida que nos é apresentado é nosso relacionamento com ele: uma disposição de aceitar tudo como vindo do céu, quer seja trabalho ou riqueza, ou ambos. Isto é mais do que boa e bela cousa (v.18): mais literalmente, é “uma coisa boa que é bela”. Novamente, uma nota positiva aparece, e no final do capítulo captamos um vislumbre do homem por quem a vida passa rapidamente, não porque ela é curta e sem sentido, mas porque, pela graça de Deus, ele a acha completamente arrebatadora.
O Eclesiastes ensina que, se você não aprender a desejar o que possui – e que está à mão agora – você poderá ganhar um milhão – ou dois, ou três – mas nunca ficará satisfeito, e isso porque seu paradigma de felicidade está errado. O paradigma saudável diz “melhor é desejar o que se possui do que trabalhar para possuir o que se deseja”.
Notas:
[1] Anás e Caifás eram dois sacerdotes na época de Jesus que, agindo em nome de Deus, estavam na verdade defendendo seus próprios interesses.
[2] Provérbios 13:11 (NVI) – O dinheiro ganho com desonestidade diminuirá, mas quem o ajunta aos poucos terá cada vez mais.