Amigos, ontem teve festa no inferno. O diabo deve ter ido pessoalmente, com uma comitiva de frente formada por Hitler, Stalim, Calígula e Nero, dar as boas vindas a Augusto Pinochet. Devem ter ficado felicíssimos com a chegada do colega.
A Bíblia fala de pelo um rei do povo de Israel, poderoso, déspota e implacável, pelo qual ninguém chorou quando morreu. Não deixou de si saudades. Seu nome era Jeorão (I Cr 21:20). Outros vieram na mesma categoria e agora mais um desses canalhas engrossa a lista.
Pinochet conseguiu personificar toda a imundície das ditaduras latino-americanas, todas elas abertamente apoiadas pelos Estados Unidos na época da Guerra Fria. Poder-se-ia discutir se pior teria sido se as tendências socialistas (ou comunistas, em alguns casos) em curso nos anos 60 e 70 e que tomaram de assalto, por exemplo, a ilha de Cuba, teriam sido ainda mais nefastas do que as maldades, corrupção e violências dos milicos marionetes dos interesses internacionais. Não sou capaz de dizer o que seria pior. É o mesmo que perguntar se é melhor andar de bicicleta com o pneu da frente ou com o pneu de trás furado.
O que de concreto a história pode testemunhar é que facínoras como este que ora apodrece desencadearam ondas incontidas de violações a direitos básicos do cidadão de suas pátrias. Lutaram contra um inimigo que eles mesmos criaram, enriqueceram-se nababescamente às custas do seu próprio povo e, invariavelmente, ficaram impunes. Seus crimes prescreveram ou foram engavetados. Deixaram apenas uma lição para a humanidade: é preciso criar mecanismos para impedir que gente desse tipo chegue ao poder.
Não comemoro, como alguns chilenos, a morte de Augusto Pinochet. Se Deus não tem prazer na morte do ímpio, também eu não posso ter. Mas não posso deixar de pensar no que significa partir para a eternidade deixando atrás de si um rastro de destruição, miséria e morte. Não posso deixar de pensar no profundo significado da palavra “legado”.
Legado é o que deixamos para as próximas gerações. É a nossa marca na história. É a nossa influência. É aquilo que gravamos na pedra da vida. É o nosso risquinho na árvore da existência humana. De certa maneira, todos nós ao chegarmos ao mundo, recebemos um legado dos que nos precederam. Nosso papel na vida é, fundamentalmente, processar esta herança, cuidar dela, investir, trabalhar de tal maneira que quando partimos daqui, possamos entregá-la, revista e atualizada, ao que virão a seguir: filhos, netos, amigos, irmãos, compatriotas, colegas de trabalho, alunos, clientes, funcionários.
Pode ser que nem todo mundo chore no seu enterro. Talvez alguns até faltem porque foram fazer um churrasquinho comemorativo. Não é simplesmente uma questão de opinião popular. Não é apenas o que as pessoas pensam sobre você. É, muito mais do que isso, uma questão do que você efetivamente deixou para elas. Se você foi bênção ou maldição. Se você ajudou a construir ou ajudou a derrubar o que os outros tentavam construir. Se você chegou para ajuntar ou para espalhar. Se sobre o alicerce que estava sendo erguido você levantou as paredes ou cobriu de entulho. Isto é um legado.
É pouco provável que sua morte seja anunciada nos jornais do mundo inteiro. Ninguém vai ser entrevistado ao vivo na CNN para “repercutir o seu desaparecimento”. Mesmo assim, cabe a você cumprir, como Davi, “o propósito de Deus para a sua geração” (At 13:36).
Para que pelo menos alguém neste mundo sinta sua falta.