Más notícias

“Que formosos são sobre os montes os pés do que anuncia as boas-novas, que faz ouvir a paz, que anuncia coisas boas, que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: O teu Deus reina!” [1]

Gostaria de compartilhar com vocês a história de uma criança. Seu nome fictício será Mateus. Sua idade, quatro anos. Terceiro filho de uma mãe jovem, cujo casamento desmoronou nos últimos anos. O ex-marido cuida somente em enviar mensalmente a pensão alimentícia dos filhos. Gasta bem pouco tempo com os três. Mateus, como ainda não vai para a escola, passa as tardes na casa da vizinha, pois a mãe precisa trabalhar para complementar o orçamento familiar. A vida é bastante dura, mas Mateus desenvolve-se como uma criança normal, à margem de uma grande metrópole e com todos os seus inconvenientes. Em um feriado de quinta-feira, Mateus acordou e logo percebeu que sua narina esquerda estava sangrando.

Cinco dias antes, havia caído em uma brincadeira de criança e machucado a bochecha à esquerda, mas o sangramento de hoje estava persistente e preocupante. A mãe procurou atendimento médico na pequena cidade onde mora. A suspeita clínica recaiu sobre o trauma maxilar como causa do sangramento. Todos os procedimentos para estancar o sangramento são tomados: gelo local e compressão são tentados à exaustão. Sem sucesso. Mateus continua sangrando. Anoitece.

O médico assistente, prevendo a necessidade de uma intervenção mais enérgica, entra em contato comigo (estava assumindo o plantão) para transferir o paciente. A princípio, ele associa o sangramento ao trauma de cinco dias passados ou à um quadro infeccioso subjacente.

Preparei-me para receber a criança na sala de emergência. Pouco mais de trinta minutos depois, a criança chegou. Logo percebi que não se tratava de um pequeno sangramento nasal, mas de uma hemorragia importante na narina esquerda, com sangue vivo e abundante jorrando. A criança estava já com a pressão baixa, taquicardia e perdendo a consciência. Iniciei todas as providências em terapia intensiva. Solicitei vaga em UTI pediátrica, colhi exames para determinar a quantidade de hemoglobina do sangue, definindo assim a necessidade ou não de terapia transfusional, e fiquei ao lado da criança. Passei o caso para a colega que estava de plantão na UTI e ela logo veio me ajudar na emergência. Cerca de 20 minutos depois, a criança, após infusão de soro venoso, já apresentava melhora na pressão arterial, porém, mantinha-se muito pálida e ainda sangrando. Os resultados dos exames preliminares chegaram. Nossa surpresa foi ver que o trauma de fato não havia ocasionado um sangramento tão voluptuoso. Mateus estava com leucemia aguda.

Como cristão, a Bíblia me ensina que Evangelho é uma “Boa Notícia”. Como médico, no entanto, freqüentemente tenho que ser o portador de más notícias a meus pacientes. Que paradoxo cruel! Como portar más notícias se a Palavra me diz que são formosos os pés dos que anunciam as boas notícias? Deveria escondê-las?

Tenho compreendido que não é possível entender o Evangelho como “boas notícias”, desconsiderando que no mundo teremos aflições[2]. Paulo, por exemplo, após passar por prisões, açoites, naufrágios e zombaria, foi capaz de chamar toda sua trágica história de “breve e momentânea tribulação” [3] – um eufemismo segundo alguns. Para mim, no entanto, bastante apropriado, considerando que o apóstolo mantinha sua vista nas coisas do porvir. As pedras do tempo se tornaram aliados para a formação do caráter de Cristo na vida dele.

O apóstolo Pedro nos diz que as tribulações não só fazem parte do nosso cotidiano, como confirmam a fé que recebemos do Senhor. “Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações, para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo; a quem, não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória, obtendo o fim da vossa fé: a salvação da vossa alma”. [4]

Seriam as más notícias parte das boas notícias (evangelho) a fim de validá-las, ou mesmo um convalidador da fé, necessário para intimidar os símplices, conduzindo-os a crer? Não. Deus não seria tão sádico em provocar sofrimento na sua criação apenas para que sua Salvação pareça mais bela ou mais necessária.

Sofrimentos temos. Diariamente milhões de pessoas nascem com deformidades genéticas que determinarão se serão altos ou baixos, brancos ou negros, terão anemia ou não, dependerão de aparelhos para respirar ou não poderão sair à luz do dia por possuírem anormalidades cutâneas que as impedem de ter contato com o sol. Diariamente, milhares de microtremores abalam a crosta terrestre enquanto somente alguns poucos destes tremores são sentidos pelos seres humanos na superfície. A fome, a nudez, as enfermidades, o perigo e as guerras assolam a humanidade desde a era pós-adâmica. Isentar o cristão dos sofrimentos no tempo presente, seria como privar as nuvens do giro da Terra – impossível.

Sofrimentos tivemos. Quem pensa que o evangelho é apenas um “seguro contra o fogo eterno” não experimentou realmente a transformação da conversão. “São ministros de Cristo? (Falo como fora de mim.) Eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; muito mais em prisões; em açoites, sem medida; em perigos de morte, muitas vezes”. [5] Pobre Saulo! Teve seu nome mudado… logo da sua conversão, ficou cego… de perseguidor passou a perseguido – jurado de morte! Pobrezinho! Pobrezinho que nada… Paulo – que fazia questão de ser chamado assim – empreendeu a primeira grande cruzada evangelística da história do cristianismo. Milhares foram alcançados porque ele não assistiu seus sofrimentos sentado no sofá da sala sentindo pena de si mesmo; antes, permitiu que seus sofrimentos o conduzissem ao aperfeiçoamento rumo ao caráter de Cristo. Deus não apaga dos nossos corações os sofrimentos pelos quais passamos. Nossas feridas permanecem lá. Precisamos aprender o que fazer com elas. Permitiremos que elas cicatrizem, para nos lembrar o que passaram a fim de auxiliar outros que estão sofrendo dano semelhante?

Sofrimentos teremos. Deus não diz que precisamos deter uma postura derrotista diante dos revezes. Por anos, os cristãos se apoiaram na promessa do Reino futuro dos Céus como impedimento para a felicidade aqui na Terra. O catecismo de Westminster responde, ao ser questionado quanto à finalidade do homem, dizendo: “o fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”. Sábios foram os presbíteros que escreveram esta afirmação, pois ela não inclui a idéia de que a conversão nos tira o direito da felicidade na Terra. Ela nos clareia que esta felicidade está plenamente revelada e gozada quando desfrutada em Deus através de Cristo Jesus. A felicidade em Cristo não exclui os males. Antes, incluindo-os e processando-os, fornece uma resposta madura ao comportamento anti-álgico[6] da sociedade atual.

Aos que sofrem, Deus dá alguns refúgios. Primeiramente, o próprio Senhor Jesus, promete estar – e está – ao nosso lado nos momentos de tribulação. A seguir, temos um outro aliado: a Igreja. Como Corpo de Cristo – não no sentido figurado, mas de forma prática e presente – cada membro do Corpo é capaz de sustentar outro membro que sofre. Para isto, é necessário estar integrado em uma comunidade cristã como um órgão ao organismo – nutrindo e sendo nutrido. Talvez o mais incompreendido dos sistemas criados pelo Senhor para lidarmos com o problema das más notícias seja o tempo. Alguns pensam no tempo mais como um consolo do que como uma terapia. De fato, uma má interpretação do tempo é feita, como se tempo fosse sinal de passividade ou conformidade. Conforme-se que com o tempo a dor passa, alguns dizem. Mas não é assim que o tempo deveria ser usado. Um ferimento aberto cicatriza de forma irregular, deixando uma cicatriz disforme e alterando a função do membro afetado. Um ferimento bem cuidado, tratado de forma a minimizar os efeitos do processo cicatricial dá em uma cicatriz bem constituída e, quase sempre, com pouco prejuízo à função.

O jovem Mateus foi encaminhado na mesma noite em que o atendi para um hospital especializado em câncer infantil. Seu diagnóstico foi confirmado como sendo um tipo de leucemia. Ele foi admitido na Unidade de Terapia Intensiva deste hospital e está sendo tratado conforme a sua enfermidade. Sua mãe está ao seu lado. O que virá a seguir? “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam”. [7]

Notas:

[1] Isaías 52:7 [2] Jo 16:33 [3] 2Co 4:17 [4] 1Pe 1:6-9 [5] 2 Coríntios 11:23 [6] Algia é um sufixo que significa dor. Tem o mesmo significado de estesia. De forma que analgésico significa: ana – sem; algia – dor = sem dor; assim como anestesia significa ana – sem; estesia – dor = sem dor. O termo anti-álgico foi neologicamente criado para nos lembrar a atitude da mídia em geral que tende a fazer da dor um sentimento anti humano. De fato, quem criou a dor foi o próprio Deus, e nós precisamos nos apressar em aprender a lidar com ela. [7] 1 Coríntios 2:9