Amigos, ao lado da familiolatria, que é a idolatria da família, existe o tradicionalismo, que é a idolatria do modelo. É quando a maneira de se fazer as coisas se torna mais importante do que aquilo que se faz. Na linguagem de Jesus, é quando os odres se tornam essenciais e o vinho secundário.
Não confundamos os conceitos. Existe uma grande diferença entre “tradição” e “tradicionalismo”. Existem coisas que precisam ser mantidas, copiadas, repetidas, ensinadas e aprendidas. O apóstolo Paulo mencionou as tradições que ele tinha ensinado aos tessalonicenses e ordenou que eles não se afastassem delas (II Te 3:6). Esta era uma tradição apostólica, um legado, um ponto de referência para a vida daqueles irmãos, um porto seguro no qual eles podiam ancorar quando as coisas ficassem difíceis e perdessem o sentido. O mesmo Paulo, porém, ao escrever sua carta aos colossenses criticou duramente aqueles que tentavam introduzir “tradições dos homens” (Cl 2:8). Isto é o que eu chamo de tradicionalismo.
Há uma fundamental diferença aqui. O legado apostólico, o conjunto de ensinamentos básicos da nossa fé, sobre o qual a Igreja do Senhor Jesus Cristo foi edificada, recebido pelos primeiros irmãos da parte de Deus, são inegociáveis. A atual onda de modismos e novidades que vão além ou que ficam aquém do que está escrito (e que incluem quebra de maldições, determinação de vitórias, exigência de prosperidade, visita a lugares determinados onde se encontra a “bênção”, salvação que se ganha e depois de perde, divisão entre música “sacra” que serve para Deus e a que não serve – a lista é quase interminável!!) não tem nada a ver com a tradição apostólica e deve ser rechaçada com rigor e energia. Qualquer tipo de “outro” Evangelho, que não se apóie na revelação bíblica ou que vá contra ela em algum ponto, é anátema. É maldição. Não tem nada a ver com Deus.
Além dos ensinos essenciais e primários à fé, porém, existem outras tradições que são boas. Nem sempre foram ordenadas biblicamente, na forma de mandamento, mas que foram incorporadas à vida da Igreja sem prejuízo ou dano. Por exemplo, a prática de jejuns. Não há mandamento bíblico do tipo “jejuai e orai” ou “jejuai constantemente”, mas há o registro desta prática na vida do Senhor Jesus, dos apóstolos e dos pais da igreja. Ao longo de toda a história da igreja, homens e mulheres de Deus têm dedicado suas vidas através deste instrumento. É um exemplo de uma boa tradição, que é evitada por alguns grupos (tenho ouvido isso várias vezes) que acham ser uma prática “pentecostal”. Vai entender…
Outro exemplo é a preocupação da Igreja com o ensino sistemático a crianças. As Escolas Bíblicas Dominicais, por exemplo, não são regulamentadas ou sequer citadas nas Escrituras. Porém, elas surgiram quando irmãos preocuparam-se com os milhares de órfãos que não tinham para onde ir, sequer podiam ler ou escrever, e dedicaram-se a criar um espaço nas igrejas da Inglaterra para poder trabalhar com essas crianças, ensinando-as a ler e dando a elas o que comer. A EBD se tornou mundialmente famosa e adotada. Hoje quase não se concebe uma igreja que não tenha algum programa semelhante.
O problema do tradicionalismo é quando não se percebe que muita coisa que serviu bem à sua geração pode não servir mais às seguintes. A abordagem que funcionou há 2 séculos, pode ser completamente inadequada hoje em dia. O que era um tremendo avanço nos seus dias, se esses dias se referem a 50 anos atrás, hoje pode ser algo completamente superado. E aqui mora o perigo. Muita gente não consegue separar uma coisa da outra. Tem gente que simplesmente não consegue perceber que quando se muda o método, necessariamente não se muda a essência das coisas. Método é superável. O Evangelho não. Métodos podem mudar. O Evangelho não. A mensagem é inegociável. O instrumento de levá-la é completamente descartável.
E então vemos igrejas se dividindo, outras marcando passo, porque ao invés de nos preocuparmos em espalhar com a maior eficiência possível a mensagem central da Cruz, optamos por continuar idolatrando o jeito de fazer, que alguém nos ensinou há 100 anos. Acredite se quiser, mas tem gente nas igrejas dos Irmãos que acha que a Bíblia é inspirada de Gênesis 1:1 até Hinos e Cânticos 764. E tente dizer que não para você ver.
Infelizmente, não são apenas os de mais idade que agem assim. Tenho visto gente que passou anos com um discurso de “modernidade” nos lábios, que a cada duas frases diz que quer “fazer uma coisa diferente hoje”, mas que não tem a menor noção do que isso realmente significa. Quando tem uma chance, continua perpetuando modelos antigos e ultrapassados que já se provaram ineficazes. Estilos de liderança centralizadores, que chamam para si toda a responsabilidade (como se houvesse alguém capaz de fazer tudo sozinho numa igreja) é algo tão tradicionalista, retrógrado e atrasado quanto assistir Vila Sésamo numa TV a válvula, comendo Mandiopã! Mas essa gente se acha. Eles pensam que estão arrasando. Mas na verdade, nada mais são do que versões mais jovens da mesma maneira jurássica de outrora, que tanto criticaram.
Aprender do passado, sim. Preservar as tradições que promovem o avanço da igreja, sim. Manter a fé de nossos pais, sim. Mas continuar fazendo do mesmo jeito só para ficar de bem com a torcida, para receber os aplausos daqueles que não conseguem enxergar um palmo na frente do nariz, aí é perda de tempo.
Mais do que isso: é idolatria. É endeusar pessoas e métodos. É dizer que não há nada novo debaixo do céu e viver na mesma melancolia do Salomão velho, caído e perdido que escreveu essas palavras quando, no fim de sua vida, não encontrava mais razão para a vida, por ter permitido que ela se enveredasse para longe de Deus.
Que Deus nos livre desta praga. Por causa dela, muita gente já deixou as fileiras e cada dia mais gente faz o mesmo.
Pensando bem:
“Tradição é a fé viva dos que já morreram. Tradicionalismo é a fé morta dos que ainda vivem.” Charles Swindoll