Amigos, gostei de escrever séries. Enquanto preparo a próxima, que provavelmente será sonora, quero colocar minha coluna em dia refletindo com você sobre algumas coisas que matam uma igreja. Talvez seja menos óbvio do que o esperado. Provavelmente alguns discordariam. Mas os fatos estão aí para comprovar. Faça um levantamento na sua própria igreja e você vai constatar que entre os últimos 10 problemas que ela teve que enfrentar, provavelmente não houve casos de roubo do dinheiro da igreja, nem de falsa doutrina, nem de pessoas que se envolveram com bebida e jogo. É possível que tenha havido um ou outro caso envolvendo sexo ilícito. Mas quase com certeza 80% ou mais envolveram atitudes mesquinhas, defesa de posições pessoais ou familiares, sede de poder ou desconforto com mudanças de alguma sorte.
Por isso decidi fazer esta série. Tenho a impressão de que se nós conseguirmos endereçar adequadamente questões relativas a estes três assuntos, daremos um passo gigantesco na busca de uma igreja mais madura e pronta para servir a Deus, aquela que todos nós queremos. Uma vez que a maioria dos nossos problemas gira em torno destas coisas, seria muito sábio tratar e libertar nossas igrejas desse veneno mortífero. Não que eu tenha a pretensão de ser juiz das intenções ou do serviço alheio. Este papel não me cabe, como de resto não cabe a ninguém mais. São apenas reflexões. Baseadas em conselhos e princípios bíblicos bem como na análise contemporânea do que anda acontecendo entre as igrejas das terras brasilis. Aqui não se excetuam as diversas linhas e cores denominacionais, inter-denonominacionais ou não-denominacionais. Este não é um quadro particular. Claro que eu posso falar mais das chamadas “igrejas dos Irmãos”, ou “igrejas neo-testamentárias” (como se as outras não fossem…) ou das “igrejas cristãs” ou das “igrejas que se reúnem (!!!) aqui ou acolá” ou seja lá o nome que se queira dar para identificá-las, pelo simples fato de que nasci e me criei entre elas. Mas conheço um pouco da realidade de outros grupos também e sei que a situação não foge muito disso. Quando abordo aqui este tipo de assunto, sempre me surpreendo com os comentários que recebo, das mais variadas partes do país e das igrejas mais diferentes que se possa imaginar, confirmando que a leitura desta coluna confere com a de muita gente em tudo quanto é lugar. Então não precisa ficar tentando adivinhar se estou falando deste ou daquele caso. Falo de todos, porque isso tudo é muito mais uma constatação do que uma acusação.
Destaco três, entre tantos, componentes deletérios à unidade do Corpo e ao progresso do Evangelho. São sutis. Instalam-se pouco a pouco e tornam-se de tal maneira parte da vida de uma igreja que a mera ousadia de denunciá-los soa quase herético. Tratar deste assunto é como falar de reforma política para os deputados brasileiros: todo mundo é a favor, mas a reforma não sai nunca. Aqui é a mesma coisa. Não vamos encontrar um único cristão que esteja disposto a defender estes três males destruidores. Mas, em contrapartida, encontraremos muito pouca gente com coragem e disposição para enfrentá-los. São eles: a familiolatria (termo criado por este colunista e que será explicado abaixo), o tradicionalismo e a superficialidade.
Começo pela familiolatria. Criei este termo para definir aquela praga nefasta, solta e acrisolada na maioria dos rebanhos evangélicos da atualidade, embora tenha suas origens há muito mais tempo, e que consiste em colocar a família e os familiares em 1º lugar, antes de todos, inclusive de Deus. É quando ao invés de honrar a Deus e o que Deus pensa, começa a ser mais importante defender a todo custo a imagem e bom nome dos parentes, mesmo que esse “bom” já tenha se tornado “péssimo”. Grande parte dos problemas que enfrentamos numa comunidade cristã está ligada a esta anomalia espiritual.A familiolatria é de facílima identificação. Ela se denuncia através de frases e expressões tais como:
- “Não mexa com meus filhos!”
“Eu não vou sossegar enquanto não me vingar do que fizeram com minha filha”.
“Por meus filhos eu sou capaz de fazer qualquer coisa”.
“Eu vou defender meus filhos sempre, independente de eles estarem certos ou errados”.
“Você vai se arrepender de ter mexido com a minha família.”
“Se não fosse meu pai e meu avô, essa igreja nem existiria.”
“Pode ser que eles estejam errados, mas nossa família é a que mais dá dinheiro aqui na igreja”.
“Os filhos de fulano são uma péssima influência para os meus filhos.” (Afirmação de A)
“Os filhos do cicrano é que são um mau exemplo para os meus filhos”. (Resposta de B sobre A)
Estas não são frases inventadas. São frases reais, ouvidas ao longo da minha vida cristã. Tal qual o sacerdote Eli, há muitos pais cristãos que “honram mais a seus filhos do que ao Senhor” (I Samuel 2:29). Os filhos andam longe de Deus, vivendo no mais condenável e perverso estilo de vida, mas o que importa para eles é a “imagem da família”. Eles não têm dúvida ou escrúpulo em colocar em risco a vida de uma igreja inteira se for necessário, para fincar pé na defesa de seus pimpolhos. Não é só em relação a filhos. Pode ser em relação a marido, a esposa, a avós. Alguns nem disfarçam mais quando agem num franco nepotismo eclesiástico. Há igrejas que são literalmente dominadas por clãs. São igrejas que têm sobrenome. Se você pertence à família real, tem todos os direitos, todos os benefícios, todas as oportunidades. Se você é “filho do rei”, nem precisa aparecer na igreja. Venha quando quiser, não precisa assumir compromisso nem com Deus nem com sua igreja. Basta que você seja parente de gente influente. Apareça de vez em quando, se não houver nada melhor para fazer, e fique à vontade para dar seus pitacos. Candidate-se a uma cadeira oferecida pelo “governo democrático e familiar”. Idolatre sua esposa ou seu marido e faça dele a razão de ser de sua existência. Já ouvi gente dizer de cima do púlpito que só estava ali para agradar a esposa. Aliás, é sabido que todo idólatra em breve vira cara-de-pau.
Que ninguém se engane: Deus não aceita concorrência e aqueles que assim agem estão chamando para si o mesmo juízo que veio sobre Eli e sobre sua casa. Anos antes, Deus chamou Gideão e, antes de mandá-lo atacar os midianitas, ordenou que ele fosse à casa de seu pai, derrubasse o poste-ídolo que estava ali para dar início ao processo de mudança e reavivamento que levaria à libertação do povo. Quem não tem coragem de tratar de sua própria família, antes a coloca acima de Deus, está cometendo a mais perversa idolatria. Jesus Cristo afirmou que quem quer segui-lo e não ama menos a seu pai, mãe, irmão ou irmã não é digno dele.
Infelizmente, está cheio de gente indigna liderando o povo de Deus por aí, que coloca seus laços familiares acima dos interesses do reino de Deus.
Se afastarmos e isolarmos esta peste terrível, quem sabe conseguiremos reencontrar o caminho glorioso que nossos pioneiros trilharam. Caso contrário, o que viveremos é a continuidade do mesmo “Icabode, foi-se a glória” dos dias de Eli, provocados pela familiolatria, a idolatria da família.
Pensando bem:
“Blood is thicker than water” (Sangue é mais grosso do que água) Ditado popular americano