Uma reflexão sobre o fenômeno depressivo
Numa análise superficial, a humanidade parece estar sendo soterrada por uma avalanche de distúrbios mentais. Atualmente já foram catalogados e estudados 306 diferentes sinais ou sintomas característicos das assim chamadas doenças psiquiátricas. Destes, pelo menos 52 sintomas ou síndromes requerem tratamento médico de emergência por oferecer risco de vida.
Desta miríade psiquiátrica mencionada, o abalo mais conhecido e comentado é, de longe, a depressão. Inúmeros livros foram escritos sobre o assunto, tendo sido classificados até 15 tipos diferentes de depressão, de acordo com as manifestações clínicas. A depressão é a primeira causa de suicídio em todo o mundo: 80% das pessoas que cometeram suicídio eram deprimidas. Estima-se que 15% das pessoas que sofrem ataques repetidos de depressão acabam se matando.
Escrever fácil é muito difícil. Por isso decidi neste texto fazer uma abordagem mais pastoral sobre sintomas depressivos sem me deter no diagnóstico da condição de doença-depressão que reservo aos profissionais competentes.
Com quanta tristeza se faz uma depressão?
Depressão é doença comum, que se caracteriza por períodos de tristeza, choro fácil, pensamentos negativos, ideias suicidas, desânimo, cansaço físico e mental, perda de sono ou excesso de sono, diminuição de apetite ou aumento de apetite, desesperança, baixa autoestima, culpa excessiva, preocupações desproporcionais. A questão é que estes sintomas são constituintes fisiológicos da natureza humana.
Para diagnosticar um episódio depressivo, o paciente precisa apresentar a maior parte dos sintomas citados por um tempo mínimo de duas semanas, durante a maior parte do dia, com comprometimento da sua qualidade de vida, profissional, cuidados da vida diária e social.
A ciência define depressão como a presença de cinco ou mais sintomas numa lista de nove. O problema desta definição é que ela é inteiramente arbitrária. Não há nenhuma razão especial para qualificar cinco sintomas como constituindo depressão; quatro sintomas são mais ou menos depressão e cinco sintomas são menos severos do que seis. Até mesmo um só sintoma é desagradável.
Para facilitar nossa reflexão vou simplificar bastante a definição e dizer que depressão é um pesar desproporcional à circunstância.
Empatia
Empatia é a capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional como se fosse o outro indivíduo, em outras palavras, colocar-se no lugar do outro, porém sem perder nunca essa condição de “como se”. Essa pressão por empatia e camaradagem acabou gerando um conflito: o uso obsessivo da empatia pelas pessoas para serem aceitas por todos e não decepcionarem ninguém.
É sob o viés de uma empatia genuinamente cristã que abordaremos o fenômeno depressivo. Todos já sentimos ocasionalmente uma emoção desproporcional em relação a uma coisa aparentemente sem importância ou uma emoção sem origem aparente.
Estou deprimido? Esta é uma pergunta difícil de responder. Como dito anteriormente, os sintomas depressivos são constituintes fisiológicos da natureza humana. O único modo de se descobrir se está deprimido é escutar e observar a si mesmo, examinar seus sentimentos e pensar seriamente sobre eles.
Se você se sente mal sem nenhum motivo durante a maior parte do tempo, está deprimido. Caso se sinta mal a maior parte do tempo com motivo, também está deprimido, mas neste caso a mudança da circunstância desencadeadora do evento pode resolver a situação. Se este sentimento incapacita suas atividades cotidianas, é grave. Se é o perturba, mas não a ponto de comprometer sua capacidade laboral, não é grave.
Chris Wright comenta: “A Bíblia nos compele a aceitar que o mal é um mistério. O mal está além do nosso entendimento porque não faz parte da realidade definitiva que Deus, em sua perfeita sabedoria e absoluta fidelidade, quer que entendamos.” Hernandes D. Lopes complementa: “Enquanto geralmente perguntamos ‘por quê?’, as pessoas na Bíblia geralmente perguntavam ‘até quando?’. Elas não queriam de Deus uma explicação para a origem do sofrimento. Em vez disso, clamavam a Deus para fazer algo para dar um fim ao mal.”
Infelizmente, algumas meias-verdades a respeito do fenômeno depressivo são muito populares no meio cristão:
Depressão é uma ação demoníaca. Não há dúvidas que o inimigo das nossas almas é capaz de nos causar sofrimento. Mas as Escrituras não nos permitem afirmar categoricamente que todo sentimento depressivo é fruto de ação diabólica. Uma pessoa pode ser assolada pela depressão, mesmo dando testemunho de uma vida cheia do Espírito Santo.
Depressão é sinônimo de pecado oculto e não confessado. Os que defendem esta interpretação usam frequentemente o texto do Salmo 32, que obviamente trata de uma situação em que o pecado de Davi lhe trouxe grande sofrimento psíquico.
Precisamos observar, porém, que sintomas depressivos também são encontrados nas Escrituras em contextos diferentes dos acima.
Sintomas depressivos na Bíblia
Salmo 42:5, 11
5,11 Por que você está assim tão triste, ó minha alma? Por que está assim tão perturbada dentro de mim? Ponha a sua esperança em Deus! Pois ainda o louvarei; ele é o meu Salvador e o meu Deus.
ANA – 1 Samuel 1:8
8 Elcana, seu marido, lhe perguntava: “Ana, por que você está chorando? Por que não come? Por que está triste? Será que eu não sou melhor para você do que dez filhos?”
ELIAS – 1 Reis 19:3-14
14[…] Sou o único que sobrou, e agora também estão procurando matar-me.
JEREMIAS – Jeremias 15:10-21
18 Por que é permanente a minha dor, e a minha ferida é grave e incurável? Por que te tornaste para mim como um riacho seco, cujos mananciais falham?
Jeremias 20.7-18
7Senhor, tu me enganaste, e eu fui enganado; foste mais forte do que eu e prevaleceste. Sou ridicularizado o dia inteiro; todos zombam de mim.
PAULO – 2 Coríntios 1:8
8 Irmãos, não queremos que vocês desconheçam as tribulações que sofremos na província da Ásia, as quais foram muito além da nossa capacidade de suportar, ao ponto de perdermos a esperança da própria vida.
JESUS – Mateus 26:32-38
38 Disse-lhes então: “A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal. Fiquem aqui e vigiem comigo”.
Onde Deus está nos momentos depressivos?
Isaías 53:11
11 Depois do sofrimento de sua alma, ele verá a luz e ficará satisfeito; pelo seu conhecimento meu servo justo justificará a muitos, e levará a iniquidade deles.
2 Coríntios 5:19
19 […] que Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não levando em conta os pecados dos homens, e nos confiou a mensagem da reconciliação.
Na Alemanha pós-guerra o pastor Guenter Rutenborn escreveu a peça “The Sign of Jonah”. O tema desta peça é a depressão e o sofrimento. Em nove cenas Deus é posto no banco dos réus. Além do juiz, 10 outros personagens se revezam em cena. Algumas testemunhas de acusação se destavam: um homem (The average man) e uma mulher comuns (The average woman) – representantes da raça humana; uma rainha (The Queen of the South) – representando aqueles que exercem autoridade. Acompanhe um trecho da peça:
CENA OITO
RAINHA: Há somente um veredito possível: Deus precisa se tornar rei de reis! Ele deve ser forçado a fazer leis para os homens! Deve usar uma coroa de espinhos e ser colocado num lugar de honra para ser traspassado em condenação. Pronuncio esta sentença em nome de todos os que usam uma coroa!
HOMEM: Deus deve se tornar um ser humano, um andarilho na terra, privado dos seus direitos, sem teto, faminto, sedento, em constante medo da morte.
MULHER: Ele deveria nascer de uma mulher, em alguma cidadezinha no interior; e ouvir o gemido de outras pobres criaturas dia e noite. Deveria viver cercado de pessoas fracas, doentes, imorais. Ter seu caminho interrompido por cadáveres em decomposição. Ele deveria saber o que é morrer – ele mesmo devia morrer!
HOMEM: E também saber a agonia de perder um filho.
Essa foi a sentença passada a Deus pelos acusadores. Ergue-se um clamor enquanto aguardam resposta. O clamor, no entanto, dá lugar ao silêncio. Um a um, todos que emitiram sua sentença contra Deus se calam. Finalmente eles percebem que a sentença pronunciada havia sido cumprida.
Afinal, Onde Deus está nos momentos depressivos?
Romanos 8:26
Da mesma forma o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis.
O termo traduzido como fraqueza neste trecho bíblico é a palavra astenia. Este termo é usado na medicina para descrever estado de cansaço. Na psicologia descreve um estado de desgaste relacionado a redução da motivação. O apóstolo Paulo nos diz com todas as letras que no momento dos sintomas depressivos Deus está ao nosso lado. No entanto durante o fenômeno depressivo temos dificuldade de discernir a presença de Deus.
Temos uma compreensão limitada da presença de Deus
1 Coríntios 12:27
“Ora, vocês são o corpo de Cristo, e cada um de vocês, individualmente, é membro desse corpo.”
⇨ a Igreja – A igreja é uma comunidade terapêutica. O paradigma do Corpo de Cristo é espetacular porque nos chama à empatia pelo sofrimento do nosso irmão.
Jeremias 27:6
Agora, sou eu mesmo que entrego todas essas nações nas mãos do meu servo Nabucodonosor, rei da Babilônia; sujeitei a ele até mesmo os animais selvagens.
⇨ o incrédulo – Deus levantou Nabucodonosor, assim como vários outras autoridades no passado para servir aos Seus propósitos. Buscar ajuda de um profissional ou conselheiro pode ser de grande ajuda.
Eu, você e os sintomas depressivos
- Ninguém está isento de sintomas depressivos;
- Sintomas depressivos não são sinônimos de depressão;
- Falar é importante;
- Calar também é importante;
- Conexões sociais são protetoras;
- A igreja é uma comunidade terapêutica;
- Auxílio psiquiátrico e psicoterápico não diminuem nossa fé;
- O alívio dos sintomas depressivos não assegura a felicidade.
- O ESPÍRITO SANTO ESTÁ AO NOSSO LADO EM NOSSA FRAQUEZA Romanos 8:26
O que eu posso fazer por alguém com depressão?
1. Estar lá
- “Você é importante para mim. Estou aqui para ajudá-lo no que necessitar. Vamos encontrar uma maneira de ajudá-lo a sentir-se melhor.”
2. Não julgue. Evite dizer frases como:
- “Você só precisa ver as coisas pelo lado positivo”
- “Há pessoas que estão bem pior que você”
- “Eu acho que tudo isso é apenas da sua cabeça.”
- “Se você se levantasse da cama e fizesse alguma coisa, ficava mais animado.”
3. Não minimize a dor do sofredor. Evite frases como:
- “Você é muito sensível”
- “Porque cada pequena coisa te incomoda?”
- “Deixa-te de frescura, bola para a frente.”
- “Não é só você que tem problemas.”
4. Evite “dar conselhos”. O que é mais funcional e assertivo, ao invés dos conselhos, é perguntar:
- “O que posso fazer para ajudá-lo a sentir-se melhor?”
- “Se necessitar de algo que eu possa ajudar, estarei disponível para colaborar.”
5. Não faça comparações
6. Busque conhecimento
Notas:
Consulta Bibliográfica
DSM-IV – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
Andrew Solomon, Demônio Do Meio-dia
Christopher J. H. Wright, O Deus que eu não entendo
Peter Kreeft, Buscar Sentido no sofrimento
Hernandes D. Lopes, Depressão, o cárcere da alma
Waldecir Anacleto, A Psicanálise e Religião
Brennan Manning, A Assinatura de Jesus
Guenter Rutenborn, The Sign of Jonah p.65
http://www.escolapsicologia.com/como-dar-apoio-a-alguem-com-depressao/
