“Posso todas coisas naquele que me fortalece”. Fp 4.13
Talvez, ao abrir este texto, seja de que forma ele tenha chegado às suas mãos, seu maior interesse era o de satisfazer uma curiosidade: que tipo de assunto vai sair deste título? Acertei? Se fosse eu, certamente essa seria minha pergunta. Se esse for o seu caso, espero não decepcioná-lo com o desenvolvimento do tema. Acredito, e você pode discordar de mim se quiser, que a melhor maneira de começar a refletir sobre tão palpitante (e constrangedor) assunto seja tentar entender porque ele está tão presente em nosso meio, particularmente nestes últimos anos. O Brasil é um lugar em que podemos falar sobre isso sem receio de não sermos entendidos. Talvez não sejamos aceitos, mas entendidos certamente.
Mas o que vem a ser finalmente a “mentalidade de vítima”? Pode ser que alguém, mais competente que eu em termos científicos, ou psicológicos, ou mesmo sociológicos, prefira chamar de “complexo de vítima”, ou quem sabe, nosso velho conhecido “complexo de inferioridade”. Mas peço permissão para discordar deste último, pois estou convicto que aquilo que denominei “mentalidade de vítima” é uma verdadeira evolução do “complexo de inferioridade” (ele vai se sentir inferior novamente, mas desta vez com razão).
Um dos principais motivos do sucesso de se considerar vítima é que ele dá dinheiro, é rentável. Qualquer pessoa que se sentir prejudicada em seus direitos pode impetrar uma ação de danos morais ou outra semelhante para ressarcimento (generoso) de supostos prejuízos. Neste embate, a melhor arma é ser a vítima perfeita, ou seja, indefesa. É assim que ela vai atacar, fazendo-se de vítima. É bastante provável que você abomine tudo que se refere a terrorismo, principalmente depois dos ataques nos EUA, Espanha e Inglaterra, só para mencionar alguns, mas é desse argumento que eles se utilizam: somos vítimas, então vamos atacar (para deixarmos de ser vítimas). Infelizmente, muitos se deixaram enganar por esse erro grasso de julgamento, e hoje o terrorismo continua ainda a se esconder atrás desse argumento invertido. Um verdadeiro paradoxo: a vítima que ataca e, ainda por cima, vence! (pelo menos esse é o seu intento). Quando se acrescentam nuances emocionais, tipo “tive queda de cabelo por causa das calúnias que ele falou” ou “minha unha encravada não me deixou dormir depois de ouvir aquelas palavras aviltantes”, as chances de se ganhar a causa aumentam, pouco talvez, mas aumentam. Mais um legado de nossa cultura que valoriza o sentir-se bem a qualquer custo, e não suporta quem queira lhe dizer o que é certo ou errado. A indústria do entretenimento conhece muito bem essa forma de pensar, e Hollywood é pródiga em incutir na sociedade formas de alimentá-la para depois explorar os dividendos. Portanto, fazer-se de vítima é lucrativo. Tanto para a vítima como para aquele que defende a vítima. Mas além disso, faz parte do ser humano querer ser bajulado, sentir-se explorado, oprimido, etc. É também uma forma útil e prática de justificar nossos fracassos e derrotas. Nossas conquistas frustradas e nossos projetos inacabados.
Mas dificilmente exista um lugar melhor onde esse tipo de mentalidade poderia se instalar que o Brasil. Nós já culpamos os portugueses por nossos problemas endêmicos e históricos, o imperialismo “ianque” por nosso atraso nacional, as intermináveis crises externas que sempre chegam na hora mais imprópria, justamente quando estávamos conseguindo colocar as coisas nos trilhos… Enfim, poderíamos ganhar o prêmio de melhores do mundo em arrumar culpados para nossos próprios fracassos. Aliado a isso, ainda podemos listar políticas públicas clientelistas e paternalistas, totalmente contrárias ao interesse social e nacional, principalmente quando analisamos o cenário no longo prazo. Muitos programas sociais têm por objetivo (velado, naturalmente) não o de resolver os problemas de uma forma definitiva, mas trazê-los a um patamar aceitável, onde ele possa deixar de ser visto como tal.
Um exemplo clássico são os programas sociais do governo, tais como Bolsa-Escola, Bolsa-Família, etc. Logo no início do Governo Lula, uma comitiva presidencial se deslocou para uma pequena cidade do interior do Piauí, no nordeste brasileiro, a fim de lançar uma ampliação de um desses programas bolsa-qualquer-coisa. O fato que chamou mais a atenção da imprensa, muito antes de se pensar que haveria denúncias sobre esse tal de “mensalão” (que a oposição afirma que existiu e o presidente jura que não), foi o gasto com deslocamento, diárias e despesas com estadia da comitiva presidencial.
O valor dessas despesas era suficiente para ampliar o programa para outros milhares de habitantes, ou estender aos já beneficiados por vários anos. Logo, na mentalidade do governo, uma família ter um complemento de renda equivalente a 1/3 do salário-mínimo “tira” dela o direito de reclamar por melhores condições de vida, cuja responsabilidade de atendê-las cabe ao governo, naturalmente. Mas, anestesiada pelo tratamento paliativo governamental, a população carente segue ludibriada pelas migalhas que lhe entretém os sentidos. E, se não há quem lhes ajude ou abra seus olhos, eles se tornarão facilmente compráveis pelos próximos pacotes de “ajuda social”.
Lançado com estardalhaço, um dos carros-chefe do Governo Lula, o programa “Fome Zero”, tido no início quase como panacéia pelo fato de seu idealizador ter sentido na pele os efeitos terríveis desse mal ignóbil, revelou-se um total fracasso. Após 3/4 de tempo decorrido do governo Lula, seu nome faz jus apenas aos seus resultados: muito próximos de “zero”. E assim, mais uma vez, frustram-se as esperanças de que haja uma solução definitiva, ou pelo menos duradoura, para um dos grandes males que assolam a humanidade.
Outro exemplo emblemático é o dos antigos “coronéis” nordestinos, que barganhavam a ajuda contra a seca em troca de favores ou votos, não necessariamente nessa ordem. E não poucas vezes, as trocas se mostraram injustas e maléficas à população. É necessário salientar que o índice pluviométrico do Nordeste brasileiro é em muito superior ao de Israel, por exemplo, e nem por isso lá eles sofrem ou culpam a Deus pelos infortúnios do clima. Pelo contrário, lá foi desenvolvida uma das mais avançadas tecnologias de irrigação do mundo.
Apesar de todo o nosso potencial, o Brasil continua sendo um país de periferia, de categoria inferior, distante dos mais avançados. Tirando poucos exemplos de projeção nacional, como no esporte e na teledramaturgia, ou nos resultados ultimamente obtidos pelo agronegócio, nossos resultados se mostram medíocres em vista do que poderíamos alcançar. A recente campanha publicitária, tentando elevar a auto-estima do brasileiro, afirmando que “o melhor do Brasil é o brasileiro” ainda não apresentou seus resultados.
Uma paródia bem-humorada no meio esportivo deduziu: o melhor do brasileiro é o argentino (aludindo o fato de o argentino Carlito Tevez ter sido eleito o melhor jogador do campeonato brasileiro). Para sermos justos e honestos, não é gastando milhões de dólares em uma campanha desse tipo que vamos deixar de ser 3º mundo. Mas, se destinássemos esses rios de dinheiro que desaparecem pelos ralos da corrupção e de publicidade inócua para uma educação de qualidade, projetos de infra-estrutura e fortalecimento da base intelectual e tecnológica do Brasil é que alcançaríamos esse objetivo.
E também devemos estender nosso senso de honestidade para reconhecermos que os resultados não surgirão do dia pra noite. Além disso, este é um esforço contínuo, um trabalho que deve ser perseverante, e quanto mais cedo iniciarmos, mais rápido iremos colher dos frutos.
Sim, precisamos com urgência deixar de lado essa “mentalidade de vítima”, esse sentimento de “coitadinhos”, “pobrezinhos”. Quem nasceu pra cabeça não se contenta com cauda, mas quem se julga cauda se for posto na cabeça vai continuar abanando do mesmo jeito. O Brasil pode não ser um país de gênios, mas a fase dos gênios já passou.
O que o Brasil precisa mesmo é de uma geração que não só acredite no potencial que tem, mas que faça valer esse potencial. Precisamos de pessoas que acreditem naquela máxima que genialidade é 99% de transpiração e 1% de inspiração. Portanto, se faltar a inspiração, nossas chances de sucesso ainda continuam sendo altas se continuamos a transpirar. Infelizmente, não é por falta de inspiração que o Brasil não chega lá, é por falta de transpiração mesmo!
Aqueles que acreditam que atletas e atores vivem a vida que pediram a Deus, teriam muito o que refletir, pois ninguém consegue chegar no patamar de estrela sem dedicação, esforço e muita renúncia. Nossa sociedade que cultua o supérfluo e as celebridades instantâneas dos “big-brothers” da vida precisa acordar de seu marasmo, de sua mornidão e avançar, seguir em frente.
Nós, evangélicos, também temos nossa parcela de culpa. Muitas vezes culpamos ou responsabilizamos a Deus por nossos fracassos e derrotas, quando o melhor que faríamos era reconhecer nossos erros e planejarmos melhor nosso futuro e aproveitar melhor nossos esforços. Muitos pastores prestam um desserviço ao rebanho ao desestimular o estudo e os projetos futuros. Quando um pastor fica o ano inteiro dizendo que Jesus pode voltar naquela noite, todas as atenções da igreja se voltam para aquilo.
Ora, se Jesus pode (ou vai, dá quase no mesmo) voltar hoje, tudo o mais se torna supérfluo e totalmente desnecessário, desmotivando os crentes a terem qualquer projeto para o futuro. É certo pregar sobre a volta de Jesus, essencial na verdade, mas não dessa maneira, principalmente fazendo uso de um emocionalismo deplorável e aviltante. Precisamos de uma pregação que não só constranja os crentes a serem fiéis, mas também a ser sal fora do saleiro, atuando em áreas onde sua ajuda é essencial. Ser crente não nos reduz a sermos unicamente obreiros na seara, mas a sermos crentes em tudo e em todas as áreas.
Ser crente e médico ao mesmo tempo é tão importante quanto ser pastor de um grande rebanho. O que devemos fazer é estimular de forma correta as vocações certas, assim não teremos médicos (ou advogados, engenheiros, economistas, etc) querendo ser pastores nem pastores querendo ser médicos, advogados ou outra profissão qualquer. Se assim fizermos, não teremos mais as pessoas certas nos lugares errados, nem as pessoas erradas nos lugares certos, mas teremos as pessoas certas nos lugares certos.
Os evangélicos também são acossados por essa famigerada “mentalidade de vítima”, quando somos perseguidos de alguma forma, nem sempre por sermos evangélicos, ou quando alguma coisa dá errada. Ser crente não é garantia que tudo vai dar certo, mas que Deus está ao nosso lado em todas as circunstâncias e nunca nos desamparará, mesmo que alguma coisa não saia da maneira como planejamos.
Precisamos, antes de tudo, mudar nossa mentalidade, acreditar que Deus tem algo melhor reservado para nós, que podemos conseguir, que podemos chegar lá. Mas, para isso, temos de lutar, não ficar esperando que as coisas caiam de mãos beijadas para nós, e, ainda que caiam, tal como o maná, precisamos nos esforçar para juntar e depois moer e cozinhar. E, quando algo não der certo, não fiquemos a nos lamentar, lambendo as feridas como se fôssemos os últimos afortunados da terra, mas levantar a cabeça e tentar de novo, até conseguir.
Vamos mostrar ao mundo, ao diabo, e também a Deus que somos capazes e não O decepcionaremos, mas façamos valer a confiança que Ele depositou em nós. Afinal, Jesus não pode ter morrido em vão por mim, ou não? Ou será que Deus se enganou ao afirmar que somos mais que vencedores em Cristo?
por Wallace Circuncisão