Quem vai gritar que o rei está nu?

Na fábula “A roupa nova do rei”, de Hans Christian Andersen, um rei é enganado por dois tecelões espertalhões que exploram a ganância, a luxúria e a prepotência do monarca e dizem serem capazes de tecer uma roupa com os mais lindos e preciosos tecidos do mundo. Não apenas que os padrões e as cores seriam fora do comum, mas principalmente que as fazendas continham o poder de parecer invisíveis às pessoas destituídas de inteligência, ou aos não aptos para os cargos que ocupavam.

Então, os espertalhões começaram a fingir que teciam, mas sem nenhum material no tear. Como ninguém quis admitir que não via tecido algum, para não ser chamado de burro, ignorante e desqualificado, a mentira se perpetuou e o rei acabou desfilando na parada completamente nu, sem que ninguém ousasse declarar a evidência. A única exceção foi um garoto, que, livre das pressões para manter as aparências, gritou em alto e bom som: o rei está nu! Assim foi desmascarada a farsa e todos tiveram os olhos abertos para ver o que era óbvio: o rei estava realmente (desculpe o trocadilho) nu e todos eram adoradores das aparências e escravos do orgulho.

Esta é uma história a respeito do ser humano e que aplica-se também à igreja. Não sei você, mas eu tenho a impressão que as coisas não vêm bem há muito tempo e ninguém se levanta para expor a nossa real condição.

Vamos alimentando a nossa mentira com festas, com preocupações irrelevantes, discursos sem prática e um estilo de vida egoísta, descompromissado, sem conteúdo sólido e preocupado apenas com o que vamos ganhar.

Por isso, as pessoas abarrotam as igrejas. Elas vão em busca de solução imediata para os problemas financeiros, de saúde, familiares, etc. E o discurso pregado é que elas estão certas e que receberão o que procuram. É bom que se diga que também afirmam que somente não receberão se não tiverem fé suficiente ou estiverem em pecado.

Assim, entre nós, encontramos cada vez menos servos e cada vez mais clientes. Cada vez mais crentes sem compromisso e cada vez mais o pessoal “com o pé em duas canoas”. Cada vez menos crentes que conhecem a bíblia com profundidade e cada vez mais os que a lêem como um amuleto. Cada vez mais crentes imaturos, que não sabem se relacionar, cada vez mais crentes melindrados e murmuradores. Cada vez mais gente “esquentando os bancos” e cada vez menos “trabalhadores para a seara”. Cada vez mais pastores ricos e cada vez menos igrejas com a visão de oferecer o máximo para Deus.

O rei está nu, mas não é de hoje. Alguém precisa ter coragem de falar o óbvio: a situação não é nada boa. Paramos de crescer e já estamos embalados na ladeira do decréscimo. Paramos de evangelizar como um estilo de vida, paramos de contribuir com alegria. Não sabemos mais perdoar, mas acumulamos mágoas com muito mais facilidade. Não lemos a Bíblia, não oramos mais como deveríamos, mas assistimos muito mais televisão, vamos muito mais ao shopping e para a casa na praia. Já não temos cultos domésticos, não memorizamos mais versículos e não sabemos mais quem foi Abraão, Débora, Isaque, Salomão, Ester e, creio que nem sabemos mais até quem é Jesus.

O rei está nu, mas o rei sou eu e é você. Nós é que precisamos descer do pedestal da espiritualidade mentirosa que trata as coisas de Deus como sem valor e olha para as ofertas do mundo com olhos brilhantes de cobiça. Nós precisamos parar de dizer que amamos a Deus sem amar a Sua Palavra e a Sua igreja. Precisamos cessar de dizer que somos servos se agimos como senhores. Precisamos cessar de dizer que amamos o irmão, mas não esquecemos a ofensa. Precisamos nos lembrar, enquanto é tempo, que a verdadeira espiritualidade tem que ser expressa com ações e não com aparências. Não de boca, mas por obras e em verdade.

O rei está nu, mas o rei sou eu.

por Clóvis Jr.