“Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” 2 Coríntios 4.7.
Quando pensamos nos personagens bíblicos, geralmente só nos lembramos daqueles mais ousados e de seus grandes feitos. Dificilmente nos vêm à mente suas falhas, insucessos ou rebeldias. Acredito que, se alguns de nós fôssemos elevados à categoria de editores bíblicos, muitas passagens comprometedoras seriam apagadas, reescritas ou mesmo censuradas! Eu, por exemplo, tentaria “editar” (suprimir) alguns fatos constrangedores da vida de Davi, tais como o adultério, o homicídio e o polêmico recenseamento.
Meu herói Davi não combina com aquilo lá. Deve ter sido um engano, só pode! Quem derrotou um gigante de mais de 3 metros não sucumbiria a tais atrocidades (será que foi por causa disso que Michelangelo fez uma estátua de Davi de mais de 4 metros?). Mas por que mesmo Deus ficou tão irado? Por causa do recenseamento? Ah, hoje isso é tão comum. Aliás, já estamos esperando o próximo pra saber quanto é o novo percentual de evangélicos na população, para estufarmos o peito de orgulho. Por que o aumento no número de evangélicos não é seguido por uma sociedade melhor? Será porque estamos crescendo ou apenas inchando? Jesus não falou acerca de termos cuidado com fermento em um de seus discursos, ou estaria eu enganado?
Biografias defeituosas
Você já leu a biografia de alguém? Sabe que existem as autorizadas, aquelas que o biografado deu seu aval ao biógrafo, as não-autorizadas, que foram feitas à revelia do biografado, e as autobiografias, aquelas em que a pessoa do biografado e do biógrafo se confundem, ou se mesclam, ou se combinam, ou algo parecido com isso? Geralmente, na maioria das biografias, exalta-se o biografado, seus feitos, seu caráter, etc, etc, etc. Se há algum defeito, não é mencionado, falhas são convenientemente suprimidas, insucessos esquecidos, porque afinal, é uma biografia. E biografias devem ser assim, porque (quase) todas são assim. A não ser que sejam escritas sem autorização, e ainda mais por um desafeto. Mas uma combinação dessas é muito rara, e sua vendagem, muito provável, lamentável. Logo alguém diz que é inveja, dor-de-cotovelo, difamação ou coisa parecida.
Porém, ao analisar a Bíblia, fico chocado ao ler a história de muitos homens e mulheres de Deus. Parece até que não havia editor na época, ou as coisas eram feitas sem o consentimento expresso dos “homenageados”. Hoje em dia isso daria um processo milionário… Já imaginou escancarar um adultério de um homem admirável como Davi? Não que coisas como essas não ocorram hoje, mas raramente alguém admite isso publicamente como fez Davi. Imagine, pecou em oculto e admitiu em público. Quase igual aos dias de hoje, em que as pessoas pecam em público e negam reservadamente, ou se saem com aquela famosa frase: todo mundo faz. Até o presidente já disse isso, vê se pode! Bom, sendo ele o presidente, deve poder, ou não?
Mas voltemos à Bíblia. Um problema de cada vez. Comecemos nossa análise do rol de anti-heróis pelo primeiro, e quem será o homem? Quem senão Adão, o primeiro homem? Adão era perfeito, criado sem pecado, à imagem e semelhança de Deus. Então por que cargas d’água ele pecou? O trouxa foi enganado pela Serpente. Imagine, se ele, Adão, perfeito, caiu como um patinho (como é mesmo que os patos caem?), e eu? E nós? Se Adão foi um perfeito trouxa, nós seríamos então trouxas perfeitos? Mas muitos de nós, trouxas, acreditamos que somos perfeitos… trouxas… Eu desconfio que quem acredita que é perfeito está mesmo próximo da perfeição (dos trouxas!). Nossa imagem de herói também é bastante distorcida. Em primeiro lugar, achamos que ser herói é coisa de outro mundo, tipo Superman que veio de outro planeta; ou coisa pra escolhidos, tipo Homem-Aranha que teve a sorte (sorte?) de ser mordido pela aranha radioativa; ou coisa pra homens Fantásticos que batem o ponto todo dia tentando salvar o planeta de vilões malucos, querendo mandar tudo pelos ares. Além disto, não gostamos de ver nossos heróis tendo seus defeitos desmascarados em público.
Os bombeiros, tão respeitados em todo o mundo, foram alvo recente de uma análise comprometedora, ao serem responsabilizados (em parte) por algumas das mortes ocorridas em 11/9, na tragédia das Torres Gêmeas, inclusive das deles mesmos. Uma análise polêmica chegou à conclusão que bombeiros e policiais não trocaram informações cruciais nem agiram com a necessária coordenação que, se fossem feitas, teriam evitado algumas mortes na tentativa frustrada de resgate. (Revista Veja).
Se eu fosse mencionar ainda Jacó, que significa enganador, como um escolhido de Deus; ou Sansão, o valente ungido, porém humilhado e vencido? Ou ainda Jonas, o profeta fujão e rancoroso? Ou Pedro, o discípulo arrojado, mas na hora H medroso? Sabe o que eu penso? Esses homens refletem o que somos de fato, sem máscaras, sin personas, vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus. Só dEle, de mais ninguém. Talvez você seja semelhante a mim, um poço de defeitos, quem sabe um pouco mais raso, ou quem sabe um pouco mais profundo, mas o que me anima é saber que Deus me ama mesmo assim. Imperfeito. Inacabado. Pecaminoso. Humano!
Enfim, não sei se foi porque a experiência com o homem perfeito (Adão) não deu certo, Ele resolveu pegar homens imperfeitos e levá-los à perfeição, através de Jesus Cristo, este sim, o único Homem perfeito. Em Cristo, poderemos deixar de ser trouxas, cansados de sermos ludibriados pelo Mestre das ilusões e dos disfarces e alcançar o status de heróis, porém sem deixarmos de ser humanos. Mas não devemos esquecer jamais: ainda continuamos sendo vasos de barro, todavia que o sejamos para honra. Honra dEle, não nossa, e deixemos Ele escrever nossa história. Quem sabe, mesmo com tantos defeitos, poderemos fazer algo de útil que as pessoas prefiram se lembrar, ao invés de nossos inúmeros defeitos.
por Wallace Circuncisão